O SR. AMADAN, O GATO MR. STEVENSON E O ENCONTRO DE POCIONISTAS >> Zoraya Cesar
O convite inusitado chegou, como boa parte dos convites inusitados, em hora imprópria.
O Sr. Amadan preparava seu maravilhoso Elixir
dos Puns Cheirosos, que exigia cálculos complicados e material sensível. A
fórmula tinha de ser perfeita, ou os puns não só continuavam fedidos, como,
também, barulhentos e coloridos. Toda a tribo dos afamados boleiros Sweet Gambás
(que podiam soltar puns capazes de matar uma hiena), era freguesa fiel do Sr.
Amadan, não menos famoso feiticeiro de poções.
Concentrado que estivesse, era impossível não ouvir a gritaria
da gárgula do lado de fora. A mão do Sr. Amadan tremeu. E por muito, muito
pouco mesmo, não estragava toda uma garrafada de poção. Gárgula danada! pensou,
já disse mil vezes para ela não anunciar visitantes.
Mas a coitada estava inocente dessa vez. O carteiro fazia
questão de entregar a correspondência em mãos. Um pombo já idoso, meio depenado,
muito míope, e um arrulhar que mais parecia um mau agouro. Que ele era pródigo
em emitir, sabendo que ganharia vários grãos de milho como gorjeta, não por
agradecimento, mas para se verem livres dele.
Um vulto alaranjado e peludo ronronou próximo. O pombo-correio sobressaltou-se. Míope que fosse, reconhecia um gato, um gato enorme, aliás, quando via um. O felino bocejou, mostrando presas finas e afiadas. O pombo não teve dúvidas. Chegara à velhice por ser cauteloso, não por ser destemido. Largou a correspondência nas mãos daquela gárgula estridente dos infernos e escafedeu-se.
O gato em questão, Mr. Stevenson, voltou mansamente para o
teto ensolarado onde sonecava até o correio chegar e a gárgula
estridular. Divertiu-se imensamente com o episódio. Não que fosse comer um
pombo-correio, tinha um certo nojo daquelas criaturas, mas só de tê-lo
assustado fez seu dia ficar melhor.
O Sr. Amadan nem se deu ao trabalho de abrir a porta, ainda havia muito a fazer. Creme
atrai moscas para D. Magnoliophyta, um sortilégio para o jovem Licantolupus, que, por um distúrbio de personalidade, só uivava quando amanhecia. Era muito trabalho, não tinha tempo para diversões.
Mas o gato, Mr. Stevenson, tinha. E gostava muito. Por
isso não deixou que o Sr. Amadan esquecesse a carta largada do lado de fora.
E o que era, afinal?
“Prezado, estimado, admirado salve salve, Sr. Amadan, ilustre ilustríssimo Mago, está convidado, instado, chamado, adulado a comparecer em mais uma edição do Encontro Bissexto de Magos Pocionistas Sobreviventes. Como sempre, haverá buffet à vontade, música alta, danças desengonçadas e alguns vexames. Rezadeiros, vampiros, fantasmas, feiticeiros, e muitos outros irão prestigiar os Pocionistas, o que já é nossa garantia de animação e constrangimentos. Pedimos apenas, respeitosamente, que o famigerado Mr. Stevenson se abstenha de comer algum convidado desavisado. Aguardamos ansiosos, felizes e preocupados por sua presença!”
O convite não podia ser mais convidativo. Portanto, avesso a festas
e saraus que fosse, o Sr. Amadan sabia que não podia faltar ao Encontro. Sempre
havia algo a aprender no mundo das magias e ele gostava de ver os colegas
com os dedos queimados, pestanas descoloridas, lábios verdes, tudo resultado
das químicas que faziam. Ele até que estava bem. Apenas uma orelha maior que a
outra e um dos olhos que cismava de trocar de cor de vez em quando.
Olhou para Mr. Stevenson.
- Amigo, vamos ao Encontro. Mas espero que dessa vez você não
coma um convidado.
Mr. Stevenson miou indignado e virou-lhe as costas, sorrindo
placidamente.
-------------
O local da festa era num pequeno castelo pertencente à
falecida Dona Gruama, a Sorumbática, professora de gritos para Banshees por
centenas de anos enquanto viva e que, depois de morta, continuava a
impressionar os visitantes com seus gritos terríveis e assustadores. Esse hábito
estranho atrapalhava qualquer evento, mas como o lugar era bonito e barato, estava
sempre cheio.
E como estava repleto! Bruxas com pele mais lisa que pau de
sebo, sereias desafinadas. Algumas sanguessugas recém-convertidas ao vegetarianismo
olhavam invejosamente o prato servido às plantas carnívoras da mesa ao lado. Tinha
de tudo. Todos clientes, pacientes ou amigos de renomados Pocionistas, como o
próprio Sr. Amadan.
A orquestra de Minhocas Saltitantes estava inspirada e tocava
de biquíni sem parar. Mr. Stevenson sentou-se ao parapeito de uma das janelas,
olhando e observando tudo, principalmente as integrantes da orquestra.
O Sr. Amadan conversava com alguns colegas, inteirando-se das
as novidades, quem explodiu o quê, quem
errou fórmulas, onde encontrar bons sortilégios e invocações mais em conta sem
precisar recorrer ao mercado negro.
Tudo ia muito bem. Convidados
dançando. Pocionistas conversando. Orquestra tocando. Banshees gritando. Comida
rolando (as bolas de porcos-espinhos literalmente rolaram para fora da festa quando uma
coruja-olhuda pensou que faziam parte do menu).
Bebida farta. Afinal, em um encontro de pocionistas não podia
faltar bebidas exóticas grandemente apreciadas. Espumante de baba de
dragão descamado; soro de leite de pedra; refrigerantes de sangue de vampiro; vinhos
de verrugas peludas e muito mais.
Claro que em um lugar com diversas espécies reunidas, música
e bebida, alguns incidentes seriam inevitáveis: um fantasma diluído; uma
banshee sem voz; um vampiro perdeu a dentadura de caninos; uma aranha engasgou
com a própria teia; o Sr. Amadan foi beijado por uma sapa-manchada e ficou
totalmente paralisado; não fosse Mr. Stevenson, teria sido arrastado para o
altar e casado com ela ali mesmo. Essas sapas são muito casadoiras e ardilosas.
E outros teriam acontecido se o salão não fosse, pouco a
pouco, ficando silencioso conforme a madrugada adentrava. Por algum motivo, as
serelepes Minhocas Saltitantes foram sumindo e deixando seus instrumentos
largados no chão.
Mas, no geral, o Encontro de Pocionistas foi um sucesso, a
maioria dos convidas voltou para casa muito satisfeita.
Vejam, por exemplo, o Sr. Amadan: a dormência provocada pela
toxina da sapa safada o inspirou a criar um analgésico para a constante dor de
dentes de Dom Crockteeth. Voltou com vários contatos de fornecedores de magias
e uma cliente, uma jovem bruxa com dislalia que, obviamente, não conseguia
realizar feitiços.
Mr. Stevenson passou o dia dormitando ao sol, qual uma sucuri
satisfeita, estufado. Talvez tenha ingerido uma flauta. por engano... E ninguém
poderia reclamar. Convidado, convidado propriamente dito, ele não havia comido não.
Outras aventuras do Feiticeiro Sr. Amadan e do Gato Mr. Stevenson
(incluindo a que ele comeu algumas lagartixinhas crocantes*)
Siga seu horóscopo - ou não siga, mas isso é por sua conta e risco
Acredite em sua cartomante - principalmente se ela costuma acertar
O Feiticeiro Sr. Amadan e o Gato Mr. Stevenson recebem visitas
O Sr. Amadan, seus quase assistentes e, claro, o Gato Mr. Stevenson
Comentários
Aliás, por que Amadan é Sr., e Stevenson é Mr.? O gato veio de algum país anglófono?
branco - lord white, agradecida demais. E olhe q não matei ninguém.
Márcio - o Sr. Amadan é um mago, um pocionista, com certeza tem algum preparado mágico para limpar a caixa de Mr. Stevenson. Qto ao nome de Mr. Stevenson, nada posso revelar, gatos de magos são muito reservados, mas posso insinuar que o bichano é fã dos textos de Robert Louis Stevenson.
Érica - Mr Stevenson concorda plenamente com vc!
Mil agradecimentos a todos!