A MÃE TINHA PACTO COM SÃO PEDRO >> Sergio Geia

 


Eu precisava sair, havia compras a fazer, quando notei o céu escuro. 
 
As nuvens cinza-chumbo eram muitas a oeste, uma se justapondo à outra, não era uma escuridão uniforme, cada nuvem mantinha a sua essência. 
 
Embora fossem urgências, divaguei se deveria mesmo sair ou se seria prudente esperar o aguaceiro. 
 
Titubeei, mas teimoso, abri a porta e fui. 
 
Não choveu. 
 
Já de volta, vi que as nuvens cinza-chumbo tinham perdido força, continuavam cinza, mas com uma coloração esbranquiçada. Parecia que haviam se diluído umas nas outras; água, se houve ali, desceu em outras bandas.
 
— Leve o guarda-chuva, Serginho! Vai chover! 
 
Escutei a voz de minha mãe, algum amplificador contido no cérebro foi ligado. 
 
É claro que eu nunca levava o guarda-chuva e sempre chovia. 
 
A mãe tinha pacto com São Pedro. 
 
Em razão desse misterioso acordo, no dia 8 de março de 2023, São Pedro quis falar com ela novamente. Só que desta vez ele queria vê-la pessoalmente, lá, no céu. Ela também titubeou um pouco, mas não teve muita escolha. Na noite do dia 7 de março, no hospital, eu percebi seu titubeio e, com enorme dor no coração, disse a ela que poderia ir. Na madrugada do dia 8 ela foi. 
 
 
 
P.S.: 1. Já muito debilitada e sofrendo as consequências de uma demência vascular, minha mãe partiu em 8 de março de 2023, em razão de uma broncopneumonia. Agradeço a todas as amigas e amigos que confortaram a mim e a minha família pela passagem de minha mãe. 2. Ilustração: Pixabay; 3. Fotografia de Vânia: arquivo pessoal. 
 
 

 

Comentários

Nadia Coldebella disse…
Serginho querido!
Primeiro quero deixar minha admiração registrada, diante de seu comprometimento com a escrita, mesmo diante da dor familiar.
Depois, agradeço a lição de desapego, "pode ir". Nada pode sanar a dor de uma perda, mas imagino que sua mãe tenha tido uma vida plena e te deixado esse legado, pois é isso que vemos em seus textos: uma escrita que saboreia o presente.
Por fim,agora que ela foi chamada por São Pedro, imagino que as nuvens de chuva serão mais cuidadosas com vc!
Fica meu carinho e o desejo de que o conforto do seu coração chegue logo.
Ricardo Azeredo disse…
Bela homenagem, muito justa e à altura da mulher forte e maravilhosa que foi Dona Vânia. Hoje mora merecidamente no céu, sorrido e desfrutando da paz. Parabéns pelo filho carinhoso e dedicado que foi . Abraço fraterno.
Zoraya Cesar disse…
Vc disse lá no grupo que essa era das pequenas. Nada mais longe da verdade. Essa é das enormes. ENORME! Enorme a saudade, enorme a dor, enorme o amor, enorme a coragem, enorme a dedicação filial, enorme o inexorável que nos engole.
Que sua dor se transforme em saudade, um sorriso de vez em quando frente a uma memória boa, até que você possa ouvir, lá no fundo do coração sua mãe te avisar "leva o guarda-chuva, Serginho".
Darci Siqueira disse…
Sem palavras Geia. Grande e merecida homenagem. Que Jesus conforte o corde todos de sua casa.
Darci Siqueira disse…
Sem palavras Geia. Grande e merecida homenagem. Que Jesus conforte o coração de todos de sua casa!
sergio geia disse…
Meus queridos, podem ter a certeza que cada palavra dita por vocês tocou a mim profundamente. Obrigado.
Sylvia Testa Braga disse…
Querido Sérgio. Sei que não é fácil perder a pessoa que nos colocou neste Maravilhoso Mundo , onde tudo acontece

Pessoas nascem, pessoas amadas voltam ao lar de onde vieram.
Não é fácil, sabemos disso. O PORQUE saberemos quando chegar nossa vez

Que Deus lhe dê o conforto, mesmo porque a Vida continua
AH, sd pudéssemos partir todos juntos, mas infelizmente não é assim. Fique com Deus!
sergio geia disse…
Sylvia, querida, muitíssimo grato.
Jander disse…
É isso que eu quero dizer quando falo que você escreve coisas difíceis de um jeito simples, Sergio. Que texto bonito, meu caro. E sinto muito pela sua perda.

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