DESPERTAR-SE >> Carla Dias
Acalmou-se no de sempre. Estudou sua forma e movimento. Adaptou-se.
Rejeitava qualquer manifestação de possibilidade de leveza. Achava que tal pausa na nevralgia dos descontentamentos fragilizaria sua coragem para resolver problemas. Afinal, os problemas eram a constância.
Foi no durante de um espasmo de liberdade que a espiadela se deu. Cadenciadamente, acrobática de tirar medo da frente, fez com que se despisse da certeza de conhecer o mecanismo da vida.
Então, escutou a trilha sonora de ajustar a temperatura do afeto e providenciar lembranças às quais recorrer em dias menos auspiciosos. Enredou-se em sua melodia de cantar trancos, barrancos, deslumbramentos e aprazimento.
Não nega a existência da infelicidade, sabe que ela cabe em qualquer dia e horário, e que não há como evitar suas visitas inesperadas. Ainda prefere os começos e os durantes que não entregam os fins no epílogo, o que permite algumas mudanças de curso.
Daí que aligeira: temos tempo?
Andamento, não mais se preocupa em manter. Opta com frequência por apressar a constatação do que é banalidade para então se demorar na relevância: a voz do outro a coincidir com o desadormecer de suas vontades, até as inéditas, contribuindo com o espreguiçamento de espantar abismos, iguais aos que costumava colecionar apenas para alimentar versões de um futuro que lhe aconteceu ontem. Passou a aceitar um ralentar, mas não um desandar de sair do tempo para evitar desconfortos.
Desconforta-se, a voz do outro a fazer o tempo pausar, com espaço para uma orquestra de afinidades e discordâncias em perfeita harmonia.
Imagem de O encontro © Remedios Varo
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