RENÚNCIA >> Ana Raja
Sandrinha, é assim que os amigos do grupo de oração dos enfermos a chamam. Dona Sandra, para mim. Tens poder de fala, tua reza corre estrada. Há relatos de moribundos com passagem marcada para o outro lado, regressarem ouvindo a ladainha da quase santa. A casa em que habitas, a mesa em que comungas e a cama em que te deitas esbarram na tríade sagrada. Em uma conversa ao pé da cruz, contou-me ser devota de Santo Antão, o santo da renúncia. Um sorriso discreto nasceu em meus lábios. A esperança vaga nos corações dos fracos.
O tempo não passa, nem a febre que mora em meu corpo há quatro dias. Ela não veio rezar a reza dos enfermos. Não entregou a minha alma ao inferno. A imagem que vejo não é da tua chegada, e sim o assombro do meu avesso no espelho buscando fugir da promessa desatinada feita para sustento dos irmãos. Queria mais uma conversa ao pé da cruz. Ter forças para acender vela a Santo Antão, implorando saber como se renuncia. Ao sangue. Ao corpo. Não encontrarei o paraíso nas ancas de Sandrinha.
Imagem © Pixabay
Comentários
Que textaço, hein Ana?
Essa humanização da personagem, o desejo ardendo na carne... Um texto pra lá de provocador, herético até, mas muito muito pertinente.
Sua escrita está na medida certa!
Um grande abraço!