SOLIDÃO >> Ana Raja


Havia um tempo. 

Não esse de agora,

um tempo esquecido por Soledad. 

Se olha no espelho e o passado não existe.

Sorri Soledad para o próprio reflexo e nada acontece. Um riso morto, enterrado em mar profundo.

Vida de labor.

Ventre de parir.

Peitos amassados de sugarem

suas forças, seu leite, sua juventude, seu amanhã.

Mar revolto sem estudo.

Mar revolto de gritar não toque em mim.

Mar revolto de abandonar cria indesejada.

Tenta, Soledad, deve viver alguém aí dentro.

Sempre obrigada...

a obedecer aos homens sem razão.

a carregar o peso da enxada

que encurvou suas costas, encurtou sua mocidade, ceifou seus sonhos, decepou sua memória.

Acorda, Soledad!

Seus olhos perambulando no espaço, suas rugas de histórias esquecidas, seu corpo seco de velhice implacável, sua alma preparada para partir...

mas espere...

só mais um pouco.

Lembra, lembra Soledad! 

Da garota genial que contava as estrelas, dançava a ciranda de mãos dadas com as outras meninas grandiosas, das poesias declamadas em noites de fogueira.

Volta, volta Soledad!

Vocês jogavam seus corpos na relva fresca e riam do futuro ao alcance das mãos. Eram livres e juntas mergulhavam nas águas puras do mar.

E longe, não tão longe, o destino as esperava.

Espreitava você, Soledad,

em seu corpo de mulher a abraçar o mundo.


Imagem de Mandy Fontana por Pixabay

anaraja.com.br




Comentários

Zoraya Cesar disse…
que triiiste, Ana! Vc escolheu o nome da protagonista no alvo. Lindamente escrito. E triste, pq real. Pq essa história parece que não muda.
Nadia Coldebella disse…
Eu li a história ontem e fiquei triste demais pra comentar qqr coisa. Agora li de novo e continuo triste.
É triste, desesperador. Como as coisas do mundo podem matar a vida interior de alguém, reduzir os sonhos a pó e as lembranças a nada...
De algum jeito, lutamos para não estarmos como Soledad, né?
Sua história é de uma profundidade sem medida,Ana.
Bjs
Ana Raja disse…
Obrigada, meninas! Existem muitas Soledad vivendo muitas vezes bem perto de nós.

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