NÃO DEIXEM O FONE DE OUVIDO SER EXTINTO >> Mariana Scherma
Imagem: PixaBay/PlushDesignStudio
Eu não dirijo. Dito isso é fato que viajo muito em ônibus, principalmente pra visitar meus pais. E eu estou perdendo a fé nas pessoas que fazem o mesmo trajeto que eu. Não em todas as pessoas (generalizar? Nope), mas em várias delas. Eu culpo a ausência de fone de ouvido. O uso de smartphones se popularizou fácil, tipo refrão chiclete que quando um canta, já era... Mas, então, por que raios o uso de fones de ouvido ainda encontra tanta resistência? Todo celular já vem com um fone na caixinha junto. Não precisa ser muito gênio pra entender que é pra usar junto. E, caso o fone se perca no meio do caminho, tudo bem, compra outro, custa baratinho. Usar fone é ser levado por sua playlist preferida para um mundo só seu. É uma coisa sua, você no seu mundinho, com a voz rouca do Eddie Vedder (eu!). É um momento lindo. Mas parece que não rola pra todo mundo...
Mas talvez as pessoas (sem generalizar, só me referindo as que não usam fone pra ouvir música em público) tenham medo do silêncio - porque, mesmo com música, botar o fone é um momento seu com você mesmo. Por se sentirem desconfortáveis com os próprios pensamentos, vão lá e metem um som alto pra reverberar no ônibus em que estou. Talvez seja Mercúrio retrógrado. Ou pode ser que elas tenham certeza de que tenham bom gosto musical e achem que todos devemos compartilhar desse gosto. Vem, meteoro. Nem vou entrar no quesito gosto musical aqui, cada um tem o seu. Mas alguma coisa séria está acontecendo no mundo e a gente precisa se unir, porque daqui a pouco ouvir música sem fone vira moda e os celulares deixam de vir com o abençoado foninho. O apocalipse. O fim do mundo ao qual a gente se acostumou. Atualmente eu sempre tenho um na bolsa e outro na mala, vai que, né? Me refugiar no meu fone é um baita prazer. O problema é que ouço música baixinha e , mesmo de foto, eu ouço tudo ao meu redor.
Se essa prática estivesse acontecendo só no trajeto Bauru – Rio Claro, beleza. Mas não é bem assim. Em outro trajeto, uma senhora estava assistindo a uma missa no YouTube sem fone de ouvido. Um cara de perto pediu a ela pra usar o fone, ela fingiu que não ouviu. Só tinha ouvidos para o tal padre. Ou ela realmente não ouviu porque o som estava alto pacas. Como tretar com uma senhora ouvindo missa? Será pecado pedir para ele usar fone? Isso sem contar o tanto de gente que fala no celular no modo alto-falante sem fone. Já ouvi conversas muito desnecessárias caminhando por aí que adoraria des-ouvir. Brigas de namorados, apelidos de namorados, tretas nada educadas com bancos, como diria minha mãe: meu ouvido não é penico.
Se existisse alguma estatística a respeito, provavelmente as pessoas que ouvem música sem fone são as mesmas que em algum momento vão deixar a música do carro no volume máximo bem em frente à sua casa em uma segunda à noite quando você precisa acordar na terça supercedo. Incomodar o silêncio alheio pra mim é bem parecido com jogar lixo na rua, é invasivo e zero educação. A gente já é obrigado a ouvir muita coisa que não queria ouvir, reclamação, poluição sonora, ignorância alheia, ignorância de quem está no poder (ops, falei)... Mas música e missa alheia? Ah, gente! Quando chego em casa, ouço música no volume mais alto (que não afeta o vizinho, porque morar em apê é pensar que só uma parede divide tudo o que você faz), falo no alto-falante do celular, mas eu moro sozinha. Eu posso. Eu sei que não estou invadindo nenhum espaço.
A questão do fone de ouvido, na verdade, só ressalta que a gente anda ligando muito pouco ou quase nada para as pessoas ao nosso redor. E esse é o maior problema. Evoluímos tanto pra nada. Pobre Darwin. Quando a gente pensa, dane-se o vizinho de poltrona ou vizinho aqui de casa é que o mundo entra em um piloto automático perigoso. A gente produz lixo e dane-se o meio ambiente, a gente toma banho de meia hora e dane-se que a água está acabando, eu não vou viver muito mais tempo mesmo. A gente ouve missa sem fone cercada por pessoas ateias porque elas estão precisando de um pouco de religião. Quem disse que a gente sabe o que é melhor para os outros? Meu pai já me aconselhou a ouvir música ainda mais alta do que a do vizinho de poltrona, mas eu queria muito acreditar na educação alheia. Romântica, né? Ou excessivamente educada.
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