ANDAMENTO >> Carla Dias >>
Céu azul que disfarça poluição. Pelas lentes dos seus óculos, ele observa o andamento. Cruzam ruas. Curvam-se para mergulhar no mundo em que vivem, ali, nos seus celulares. Será que amam mais tecnológica ou humanamente?
Tem nada contra esse mundo paralelo de pixels e publicações. Na verdade, entretém-se a navegar por tais paragens. Acontece que não sabe se afastar por muito tempo do que deslumbra pelas cores sem filtro, até da pele, do céu, que nesse momento observa. O mundo dos cheiros, dos toques, dos sons imediatos, do acaso a trabalhar sem auxílio de códigos que limitam gosto, por meio de sedutoras promoções.
Ele sabe que esse é o mundo ao qual serve. Pode até não caber muito bem nele, mas o serve. Um trabalhador que, diariamente, busca meios de se sobrepor ao seu desejo de recostar-se no óbvio, espreguiçar-se no de sempre, acostumar-se ao costume.
Que o céu está azul e serve de fundo falso para fotografias registradas no entusiasmo de impressionar. Lembra-se de quando impressionou, assim, na raça mesmo, ao apresentar a uma pessoa, a quem queria muito bem, o céu que não era fundo falso, mas firmamento de um lugar que roubou o coração dele, assim, na primeira olhada. Impressionou às avessas, também, ao cometer o desaforo de desconfiar do que estava ali, escancarado, desaguando afeto, reverberando benquerença.
Concluiu que é do ser humano duvidar do que lhe chega honesto.
No andamento do tempo, na cadência do caminhar rumo à rotina, ele se esbalda nessa coisa de observar o mundo e os todos que lhe cercam. Abisma-se com a paleta de cores dos seus olhos, dos tons e texturas das suas peles, com a diversidade dos movimentos.
Que o céu azul serve de fundo falso para prédios em construção, esses obstáculos para quem é acostumado a se perder em horizontes. Eles não param de avançar para o alto. Alguém, nesse momento, compra um apartamento de um desses prédios, depois de um vendedor garantir que ele estará mais perto de Deus.
Quem não quer estar mais perto de Deus?
Ele sorri doído. Esse céu azul de quarta-feira, um dia estranho, daqueles em que não sabemos se somos ou se nos tornaremos. Acredita que o universo tem seu humor peculiar. Que Deus deve ser um maestro, daqueles que apreciam mil andamentos para tantas perguntas que os seres humanos preferem evitar fazer.
Vai que a resposta venha e não agrade.
carladias.com
Comentários
Albir, que citação é essa? Krishnamurti me pegou de jeito. Obrigada e beijo.