GRAÇAS AO CHOQUE >> Fred Fogaça
Contadas, enfim, sessenta páginas, devo compartilhar com mais segurança que esse é o projeto mais longo que empreendi. Claro, a escrita, de fato, não fez seu primeiro aniversário. Mas a ideia está aí por década. Processar o pensamento tempestuoso e tirar dali o que valeu a pena, tão sem um procedimento lógico pra entender esses paradigmas quanto era como pós-adolescente, não podia ainda ser chamado de projeto. A ideia, e compreender isso me ajudou mais tarde, só se estruturou com leitura e prática.
Mas gostava era da ideia rondando, subjetiva, na minha cabeça, porque parecia boa o bastante quando não interferida. Se, por acaso, me preocupava em colocá-la em prática, existia sempre uma prioridade e, daí, um procrastinação. Durante todo esse tempo era difícil aceitar a própria dificuldade e, consequentemente, não a remediava. Isso se estendeu sem previsão, tal como era.
A verdade é que a coisa toda já surgiu como uma fuga. No alto da adolescência, como uma maneira de me aliviar de tudo que eu sentia - tão intensamente, como eu achava - jogava frases soltas numa folha de papel, geralmente os fundos dos cadernos, ou as beiras dos livros. Já gostava de ler a essa época, tinha minhas bases da literatura, mas só queria me abrir. Motivado, depois, por uma homework do curso de inglês, redações de temas a nossa própria escolha, é que fui escrever, também, um texto inteiro pela própria vontade. Dessa decaída que me deixei levar afundo. Fiz um blog e desisti dele, fiz outro e depois mudei o nome, e quando mudei o layout, acabei não pagando a hospedagem e deixei ser deletado.
Tudo até outro dia, de fato, bem recente. Tinha um texto começado, motivado por sensações recorrentes, já pensado em quanto pano poderia dar pra manga, mas sempre naquela, o atuante do depois. Mas até aquele momento. Até a batida, até um certo choque - e consequentemente - de realidade. Nada grave, a princípio, na casca, que me levasse a um hospital. Só que num repente, daquelas quatro muito longe dos dois dias que entremeava, gastas as seguranças preventivas do carro, eu vi, e sem volta como sem choro, estava no fundo do maior dos poços. Quem sabe se alcoolizado, ou sonolento, autuado brutalmente por um radar fixo que reclamava as leis de Sartre, fui acusado de crimes contra a existência. Contemplar aquele quadro sempre foi longínquo, assim na escuridão, mas uma vez perdido, a ansiedade era de ver a qualquer custo.
Então, a fuga; era isso, ela nunca deixou de ser a forma. Mordaz, permeava razões de maneira qu'eu não sabia escapar. Também nunca fui de evitar, até porque existir, afinal, era difícil. Custoso assumir essa culpa, esse peso das consequências. Confrontado com as possibilidades do que não foi, refleti arrependimentos. Claro, fui são de temer recaída mas, naquela hora, não tinha opção: tanto percebi, na solenidade daquelas ruas vazias, que só obstáculos concretos devem ser desviados, como também,
no contraste silencioso da noite com os faróis piscando, concluí em cálculos prévios, já não teria mais dinheiro pra não ser.
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