AMARRAÇÃO DE AMOR 1ª parte >> Zoraya Cesar
Isaldinha via seu casamento soçobrar lentamente no mar dos sargaços da rotina e indiferença domésticas. Talvez nem tão lentamente assim.
Olhou-se no espelho. Feia, feiosa, não estava. Talvez um pouco fora de forma, mas, pelamordeDeus, depois de quase 30 anos de casamento, trabalho duro, filhos, problemas, grana sempre apertada, que mulher não ficaria um pouco gasta, um pouco baça, um pouco barriguda? Que mulher não teria flacidez, celulite e... a Marinalva, aquela filha de uma égua sem dentes, não tem nada disso. É mais velha que eu mas aparenta menos 10 anos. E rebola de cima pra baixo, desquitada, sem marido, sem ninguém, doidinha pra arranjar um otário que a sustente ou que, pelo menos, aplaque aquele seu fogo no útero, sempiternamente aceso e...
Entrou em pânico. A crise em seu casamento começava pelo sexo. Ou falta dele. O marido não se interessava mais por ela, mas gostava de assistir uns pornôs de vez em quando, e, sabe como é, né? Marinalva gostosona, ali, à mão...
Não que Oscar fosse algum Apolo. Isaldinha espiou o marido, deitadão no sofá da sala, a barriga preeminente, os braços peludos, os pés pequenos demais para o resto do corpo, a cara bolachuda, os lábios finos. Tá certo, não era um modelo de beleza ou romantismo, mas tinha suas qualidades. E mesmo que não as tivesse, era seu marido oras, gostava dele. Pronto. Urgia salvar seu casamento. Homem desinteressado em casa, isca fácil pras periguetes e marinalvas da vida.
Isaldinha montou um esquema com vários planos. Ia tentar um por um, até dar certo. E todos passavam pelo sexo. Sexo era a resposta! Pra tudo! Sexo rejuvenesce, estimula o colágeno, ilumina a pele e segura o casamento. Ele há de se entusiasmar novamente. Por um insano instante cogitou pedir alguns conselhos à Marinalva, mas seria humilhação demais. Pior, sabendo que o vizinho não pastava em casa, poderia oferecer uma grama nova e verdinha e... adeus Oscar.
Plano um – álcool, uma alternativa nem sempre eficaz
Comprou uns queijos, azeitonas, amendoins, bebidas, deixou o canal ligado no futebol. O marido estranhou, a mulher detestava assistir esportes, mas a petiscos dados não se questionava a razão. O plano dela era que, distraído, Oscar bebesse o suficiente para ficar ‘alegrinho’ e, quem sabe assim, se animasse para outros tipos de jogo.
Oscar só se entusiasmava por cerveja e futebol. |
Oscar bebeu, realmente, e muito. Isaldinha, feliz (hoje tem!), começou a beijar o peito magro do marido. Que, abatido pela mistura pouco convencional de vinho com cerveja, emborcou de lado e dormiu, roncando e babando qual uma velha morsa. Acordou horas depois, rabugento, enjoado, fulo da vida por ter perdido a mesa de debates. Naquela noite, definitivamente, 'não teve'.
Plano dois – a importância do timing certo
Isaldinha foi à guerra: depilação completa (doeu muito. O que não se faz por amor), fez pé, mão, cabelo. Perfume. Batom. Vestiu a nova lingerie preta de rendas e jogou um roupão por cima. Iria surpreender Oscar com um strip tease.
- Oscarito, darling, tenho uma surpresa pra você, quer ver? – ciciou langorosa, dadivosa, suspirosa. Esperançosa.
- Claro! Assim que acabar o jogo. É a final da rodada, entrei num bolão lá no escritório, vai que acerto? – respondeu o marido, totalmente distraído, sequer olhando para ela. Isaldinha teve ímpetos reais de quebrar-lhe a televisão na cabeça. Seu orgulho doía mais que sobrancelha tirada com linha, mais que chute no saco. Cretino. Idiota.
Será que ele está me traindo? Encarou o corpo branquelo e desenxabido recostado na poltrona. Só se for com o controle remoto. Algumas horas depois, mais calma, decidiu que não desistiria de seu propósito - homem sempre tem mulher que o queira, ainda mais o Oscar - que voltara a ser visto como o melhor marido do mundo, irretocável, imperdível. Você não me escapa. Quero sexo, romance e rock’n’roll. Me aguarde.
Plano três – leia a bula TODA antes de usar
Ah, era assim? Isaldinha puxou da manga o plano seguinte. Ansiosa para redespertar a química do casal, apelou para a química laboratorial. Passou por todo o ritual novamente – depilação, manicure, cabeleleiro, lingerie preta... – e dissolveu dois comprimidos de viagra no suco do marido durante o jantar. Esperou o tempo determinado e atacou.
Música de Barry White (just the way you are, para quem está curioso em saber), meia-luz, começou o show de strip tease. O membro do marido ficou viril. Oscar resolveu não desperdiçar a oportunidade e partiu para contribuir com sua parte do espetáculo.
Deu a partida, mas nem chegou a começar a brincadeira. Talvez por causa do súbito e doloroso inchaço nas pálpebras, tão enorme que praticamente fechou seus olhos. Ou por ter começado a ver, com a pouca vista que lhe restara, tudo amarelo. Ou, quem sabe, a culpa tenha sido do quase insuportável incômodo causado pelas erupções cutâneas que, repentinamente, se espalharam por seu corpo.
Isaldinha quase desmaiou de susto, mas os gritos do agoniado Oscar chamaram-na de volta à realidade. Foram para o hospital. Ela dirigia em silêncio, absolutamente apavorada. Ele, humilhado em um camisolão da mulher, já que o priapismo causado pelo remédio impedia-o de vestir as calças.
Mais tarde, na maca, recebendo soro, Oscar, antes de dormir sob os efeitos do calmante, ainda consegue balbuciar, raivoso:
- Se você quer sexo diferente, faça algo diferente. Mas não tente me matar, sua louca.
Dia de 5 abril: Amarração de amor 2ª parte – planos quatro, cinco... e só, prometo.
Nota de rodapé: as reações ao viagra do desafortunado Oscar caracterizam-se entre as
- incomuns - ocorre entre 0,1% e 1% dos pacientes - erupção cutânea
- raras - ocorre entre 0,01% e 0,1% dos pacientes - xantopsia (ver cor amarela em todos os objetos); edema e dor nos olhos; priapismo
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Comentários
Adorei, Zoraya!
Ou o Oscar é um bosta e não vai encontrar ninguém melhor do que a Isaldinha (as piores, não posso garantir), ou ele tem algum valor.
E ainda: ou a Isaldinha ainda tem lenha para queimar, e, portanto, poderá encontrar alguém melhor do que o Oscar, ou realmente aquele pé cansado tem que se contentar com o chinelo velho de sempre.
Posso apostar que, no final da história, a Isaldinha vai ficar melhor do que o Oscar.
alguém baixa o Tinder no celular da Isoldinha, por favor!!!!!!!!!!!!!
branco: provocar risos de nervoso num poeta é experiência nova pra mim. Adorei!
Isaldinho: aguarde o próximo capítulo, quem sabe vc não encontra a solução pro seu problema? hahaha
Marcio: mas isso não é ficção! é vida real, acontecendo com um vizinho perto de vc, heheh. E não queira se antecipar. Essa história, como a vida, é uma obra em andamento.
Ana Luzia: pois é, o Tinder... mas a Isaldinha quer mesmo é com o maridão. Mas, se nada der certo...
Clarisse: hahaha, eu tb ri vendo o Oscar roncando feito uma morsa velha e a cara de desconsolo da Isaldinha, malvada que sou. E tinha q ser a sina da coitada da Isaldinha ter um marido alérgico a viagra. Carma. kkkk
Cris Moura: valeu! hahahaha, todas temos uma parcela de Isaldinha dentro de nós.
A todos: muito obrigada pela leitura e comentários!
A ambos, obrigada!