A PANELA DE PRESSÃO E EU >> Cristiana Moura



Houve um tempo em que eu gostava de cozinhar. Hoje em dia, depois do filho criado, aposentei-me da rotina doméstica tal como a conhecia. Todavia, mesmo no tempo em que eu cozinhava nunca usei panela de pressão. Vocês podem me perguntar: e o feijão? Eu deixava de molho antes de cozinhar. Por quê? Ora, simples a resposta — tenho medo da panela de pressão. Aquele chiado me faz esperar, quase sem respirar, por uma explosão que vai acontecer já já! Nossa, já ouvi histórias terríveis sobre panelas de pressão explodindo nas cozinhas.

Noutro dia, resolvi cozinhar. Não era um prato qualquer. Decidi por fazer uma carne de panela, dessas que se faz com legumes e na pressão. Segui passo a passo a receita. Então, chegou aquele momento em que a panela começa a apitar, zumbir, chiar... Nem sei, ao certo, o verbo daquele som. Saí da cozinha num repente e fechei a porta. Vez por outra, a entreabria cuidadosamente e espreitava a panela, o fogão, a vida acontecendo, sem mim, na minha cozinha. Meu coração acelerava.

Medo de panela de pressão é que nem pânico de baratas e besouros voadores. A gente sai correndo e fecha a porta numa agonia danada só de imaginar a chance do inseto tocar a pele. Sei lá. É como se algo terrível pudesse acontecer se o tal bicho resvalar o corpo. Temo a panela e os insetos. Sinto falta da vida que acontece sem mim.

No chiado da panela de pressão parece caber o som das eras da existência em que me falta o ar. O som daqueles instantes em que minha ação na vida estagna. O som que reverbera, corpo-a-dentro, a cada vez que me sinto pressionada.

Aiai... 

— Deus, que eu não permita que o mundo me cozinhe na pressão!

Comentários

branco disse…
como diz a canção "leve, como leve suave pluma muito leve", assim está sua crônica hoje. no entanto, é preciso saber sobre pesos e plumas e , confesso, pouco sei. mas fica a pergunta: fez a carne de panela? que gosto tinha?
Cristiana Moura disse…
Hehehe. Ficou boa! Boa a experiência. Bom o almoço em família. No cotidiano, o self-service me serve melhor 😉
Zoraya Cesar disse…
Que espetáculo de crônica, Cris! Total. O inocente começa a leitura pensando que vai ler sobre medos insanos (panela de pressão, escada rolante, ventilador de teto...) e, de repente, se dá de frente para seu lirismo todo particular e lendo sobre... vida!!! Amei suas frases. Amei esse texto.
Albir disse…
A gente começa lendo sobre o seu medo e é conduzido ao medo nosso de cada dia.
Amei! Medo de panela de pressão para mim é aquele tipo de medo que eu não entendo como o mundo inteiro não tem!
Cristiana Moura disse…
Albir e Clara... são nossos medos cotidianos nesta brincadeira de contato e fuga...

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