DESLIGAR? >> Clara Braga

Outro dia reclamei com uma amiga que meu computador estava lento, dando uma certa travada.

Ela rapidamente disse: lógico, você não desliga o computador, só abaixar a tampa do notebook não adianta, fica esse monte de aba aberta eternamente, não há máquina que aguente!

Realmente, eu não tenho o hábito de desligar ou, pelo menos, reiniciar o computador. Mas desde que ela falou isso, procurei começar a fazer. Sempre, no final do dia, finalizo o que precisa ser finalizado e vou lá no botão de desligar. Então, na tela aparece a pergunta: desligar?

Depois de alguns dias olhando para essa pergunta, percebi que meu computador nada mais é do que uma metáfora da minha vida.

Trabalho, maternidade, afazeres domésticos e todos os outros papéis que eu preciso cumprir vão se misturando de uma forma tal que eu faço tudo misturado 24h por dia. Amamento, trabalho, levo menino para a escola, amamento de novo, trabalho de novo, faço almoço, busco menino na escola, amamento de novo, trabalho mais um pouco, ajudo no dever de casa, compro presente para o aniversário do final de semana, passeio com a cachorra, amamento, trabalho, levo na pediatra, levo para tomar vacina e assim vai.

Que horas termina o trabalho? Não tem, é a hora que eu consigo terminar as demandas do dia. Tem dia que é cedo, tem dia que é tarde, tem dia que aproveito a mamada da madrugada para adiantar um trabalho e poder fazer um exercício físico no dia seguinte, e assim o dia vai passando, às vezes vou com ele e às vezes sou atropelada por ele.

As abas não fecham, o hd interno não desliga: o que vou mandar de lanche amanhã? Tinha atividade da escola para fazer? Será que o prazo daquele trabalho vai ser suficiente? Será que respondi aquela mensagem? Será que paguei todas as contas?

O computador já começou a travar, daqui a pouco travo eu! Desligar? Com certeza, por favor! 

Comentários

Jander Minesso disse…
Clara: é comum que eu pense duas vezes antes de postar um comentário nos seus textos. Acho que isso acontece porque você é tão franca, visual e visceral quando conta seus desafios diários que eu penso “que vivência tenho eu pra somar um ‘a’ ao que ela disse?” Mas acho que não é caso de somar; é caso de admirar e bater palma. Então, obrigado pela franqueza e pela honestidade, ora brutal e ora até engraçada de tão sincera. Me faz lembrar que minha vida não é tão difícil assim.
Sandra Modesto disse…
Clara sempre foi assim. Cronista por excelência. Crônica é isso: Um retrato do cotidiano. Com tudo que nos aflige, com discussões pertinentes. Concordo com o Jander. O que a Clara escreve é muito visceral e visual. "Desligar" me fez sentir representada pelas mulheres e suas tarefas múltiplas
Ana Raja disse…
Quantas mulheres são representadas pelo seu texto, Clara. Em alguns ou muitos momentos arrastamos o mundo na marra! Bela crônica.
Albir disse…
Por favor, desligue, Clara, antes de travar. Não fosse por outro motivo, porque precisamos de suas crônicas. Feliz Natal e um 2024 destravado!

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