ACONTECÊNCIAS >> CRISTIANA MOURA
Cinquenta e um anos de caminhada, a bem dizer, cinquenta, uma vez que comecei a andar aos onze meses de idade. Minha mãe conta do primeiro dia em que andei. — Crisinha, você gargalhava. Andava correndo e gargalhava. Nunca vi um bebê ficar tão feliz por andar. Gargalhava e a gente ria também. Foi uma alegria para nós. Nossa, mas você ria demais da conta, menina!
Sinto, ao passo a passo, o peso dos anos dessa caminhada de pouco mais de meio século (sempre quis dizer Meio século). Há dias em que o chão é liso, fácil de caminhar, a bem dizer trafegar pelo mundo quase se faz uma dança. Noutros, há obstáculos, aspereza, lentidão à beira da estagnação. Tem hora que o obstáculo é enorme. Removi. Houve outras em que eram intransponíveis. Mudei a direção.
Caminhar, caminhar, caminhar. À medida em que escrevo, caminho com a mão sobre este papel. A brisa toca minha pele negra neste dia quente como quase todos os outros — um acalanto para o corpo e a alma. Na pele, o peso e a leveza da ancestralidade e da história secular da negritude. A brisa deve acalentar as andanças ao acarinhar minha face.
Quero ser a mulher que caminha sem pressa, enfim, já se passou metade de um século. Quero caminhar sem pressa, enfim, ainda há tanto a contemplar. Tanto a me permitir afetar — desde as mais arrebatadoras obras de arte até a diversidade das acontecências do cotidiano, das trajetórias urbanas, litorâneas, interioranas, oníricas. Sinto sede agora. Vou mergulhar num copo d’água gelada e saciar-me.
Comentários
E que venham mais cinquenta de poesia e generosidade.
Feliz Natal e um 2024 repleto de felicidade.
Bjs