NATUREZA >> Sandra Modesto
Esparramava-se de vez em quando. Nascia em galhos. Verdes. Em folhas que curavam dores, em infusão, acalmavam peles, viravam chás. Curavam feridas e fechavam lágrimas das mães.
Quando secos, retorciam quebrados e olhavam cheios de medos o fogo que matava-os.
Carregava- se de frutas. Frutos das famílias com quintais. Sem veneno, com afeto.
Esparramava-se de vez em quando. Os braços acarinhando o filho, fortalecendo a filha. Nesse esparramar, virava jardim suspenso. Pernas pelas paredes, muros em fotografias de cidade em cidade. De tanto espichar píncaros da natureza, refestelava a língua para brotar por várias estações. Espia pela janela um par de roupas em farrapos, lembra-se da vizinha transformadora de peças velhas fazendo sorrir as moças, que a partir daquela hora, sentiam-se bonitas, calmas como ramalhetes.
No meio do dia, peço ajuda ao sol. E o ritmo de um farfalhar me faz árvore à busca da delicadeza perdida.
Porque desaprendo, ignoro pedras rolantes, toco a lentidão e sinto pela primeira vez, sou efêmera. Espicho num chão da sala meus troncos à mesa rústica, que alguns dizem ser um banco, eu não sento, para mim, é mesa. Pequena, muito rica na arte com os pés de raízes.
Espio a cama de uma mulher, ela agradece minha companhia. E me abraça esguia, parece forte como os galhos ainda não esmagados. A mulher de repente, venha a ser eu.
Esparramo-me de vez em quando. E de tempo em tempo, volto a florir.
A mesinha centenária ocupa a história, vasta de personagens, transforma-se em peça principal e se ocupa de livros. Mais uma vez, espicho meus troncos já meio doídos, mas doidos para viver um pouco mais.
Esparramo meus pés nos vãos abertos da mesinha. É um exercício memorial.
Agarro páginas, uma nuvem insiste um anoitecer final.
Também sei gargalhar. Minha risada é tão alta que transborda os mais tímidos silêncios.
Invento uma bailarina, e livre, sem música, sigo a dança do vento lá fora.
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Comentários
Um texto lindo, lirico e intenso. Espalhado em nós...
Que lindo, Sandra. Só quem ama sabe esparramar-se. E esse das frutas foi especialmente poético. Bom de ler pra aliviar a vida.