Ó RAIOS! (Final) >> Albir José Inácio da Silva
Leia a Primeira Parte.
Leia a Segunda Parte.
Mas durante todo o dia encheram-lhe o saco perguntando por flores. Não se lembrava dessa procura toda. E a coisa piorou no final do dia, com as caçadoras de brindes florais. Mesmo quando não vinha nem mandava flores, a velha dava trabalho.
Leia a Segunda Parte.
Mas durante todo o dia encheram-lhe o saco perguntando por flores. Não se lembrava dessa procura toda. E a coisa piorou no final do dia, com as caçadoras de brindes florais. Mesmo quando não vinha nem mandava flores, a velha dava trabalho.
Às quatro da matina, como sempre,
Seu Manuel arrastou seu jumento pela estrada para buscar frutas, verduras,
secos e molhados. Pouca coisa, porque não vendia quase nada mesmo. Mas nesse
dia trouxe lá umas flores, a ver se diminuía o aborrecimento causado pelo súbito
interesse por lírios e rosas.
No dia seguinte teve de voltar ao
mercado, não por causa das mercadorias, mas por causa das flores que acabaram
logo, não atenderam às vendas e, menos ainda, à gratuidade. Para aumentar seu
agastamento, Pício perguntou:
— Será que Dona Rosa tem o que
comer?
A devoção a Santa Rita foi a
única explicação que Seu Manuel encontrou para seu comportamento. Nunca se
imaginou fazendo isso, mas ao final do dia mandou lá um dinheiro, como se
tivesse vendido as flores do jardim da velha. Sobrou para o Pício.
— Pergunta ao teu patrão se ele
quer mesmo que eu lhe diga o que fazer com este dinheiro! Por acaso eu posso
sair daqui para comprar alguma coisa? Pegue o dinheiro de minhas flores e
compre aqui estas coisas que eu preciso! — gritou Dona Rosa, entregando a
lista.
O caixeiro amenizou como pôde o
destempero da idosa. Mas isso não livrou seu patrão da apoplexia.
— Que dinheiro? Que flores? Ela
por acaso me mandou alguma flor? Nunca me casei para não ter de lidar com isso!
Agora cai-me no colo uma velha entrevada e louca!
Mas a situação se estabilizou, com
Seu Manuel comprando flores todos os dias, vendendo muito e distribuindo o que
sobrava. Ele até já gostava do sorriso das moças quando recebiam as flores, das
vendas no balcão e das encomendas, que agora não paravam, para casamentos,
batizados, enterros e festas municipais. As verduras e os legumes foram
perdendo espaço por causa dos supermercados e não passavam agora de uma pequena
banca no meio da loja de flores.
Os fornecedores satisfeitos com o
volume de compras passaram a entregar as flores todas as manhãs. E Seu Manuel
teve de contratar mais funcionários para dar conta dos buquês, coroas e arranjos
que a cidade precisava. Mandou também capinar o quintal e cuidar do jardim de
Dona Rosa. Ela ia se recuperando, mas sem muita disposição para trabalhar ou entender
melhor a situação.
Tem razão o leitor quando pensa
que a implicância é irmã da paixão. E isso conduz sua cabeça romântica a pensar
em amor, casamento e felicidades outras, já que solitários os nossos
personagens. Mas não posso ajudá-lo nisso. Dona Rosa partiu.
Ainda agora o leitor prefere
pensar que ela regressou a Portugal, aos cuidados dos seus, mas preciso dizer
que ela morreu. Seu Manuel cuidou do enterro, das homenagens e chegou a dizer
palavras carinhosas que jamais diria em vida, sempre sussurrando de lado que
ela era uma velha tinhosa.
Bem mesmo vão os negócios. A floricultura abriu três filiais na cidade, uma
no município vizinho, e não para de crescer. Seu Manuel tem gerentes,
compradores, vendedores e passa o dia circulando pelas lojas a ver se tudo está
direito.
A única coisa de que ainda cuida
pessoalmente é, ao final do dia, distribuir flores em frente às lojas. Tem
sempre um sorriso e é conhecido como um simpático e generoso velhinho. Só os
antigos se lembram do quitandeiro resmungão.
Uma topada dolorosa ou mesmo uma
crise de seu próprio reumatismo sempre dá a Seu Manuel a certeza de que alguém está
a reclamar cuidados com o túmulo. E ele grita para o seu agora secretário:
— Ó Pício, troca lá as flores de
Dona Rosa!
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