AMOR ROMÂNTICO >> Sergio Geia
O papo rolava solto quando ele, instigado por alguma coisa — talvez algo que ela tenha falado, perguntou:
“Quer dizer então que você não se acha romântica?”
“Ah, não sei. Me incomoda um pouco o rótulo de romântica que envolve a mulher. Eu sou uma pessoa afetiva. Gosto da estética romântica: roupas, móveis, lugares. Mas não sou ligada, por exemplo, a detalhes; não gosto de surpresas, não idealizo, não crio expectativas, não fantasio... Coisas do gênero. Será que dá pra entender?”
“Interessante. Dá sim.”
“Sabe que esses dias um amigo de infância me perguntou exatamente isso? Você não tem nenhum sonho romântico? Eu acho que não..., respondi. Não me veio nada na cabeça.”
“Cada um é cada um, mas acho que o seu modo de pensar é bem singular, imune às interferências do mundo.”
“Como assim? Que tipo de interferências?”
“Lá vamos nós divagar outra vez...”
“E sem vinho. Tenha dó! Você tá acabando com a minha reputação! Como vou dizer que preciso de um vinho pra divagar se tô fazendo isso a seco?”
“Nessa semana já teriam sido ao menos cinco garrafas, ah, ah, ah! Acho que essa coisa de amor romântico é uma invenção do meio. As pessoas estão envolvidas e não tem muito como escapar, a mídia de uma maneira geral faz isso; se deixam influenciar por sonhos românticos, príncipes encantados, passando a viver uma espécie de alienação coletiva, tipo ilha da fantasia, criando expectativas que não encontram resposta, quando na verdade relacionamento é muito mais construção do que simplesmente a junção das duas metades da laranja.”
“Tipo o Gray de helicóptero me chamando na minha sacada pra jantar num restaurante suntuoso?”
“Isso! Tem mulher que passa a vida inteira sonhando encontrar um homem assim, maravilhoso, jovem, lindo, corpo atlético, rico, sensível, atencioso, educado, sem vícios, bom de cama, enfim, o cara perfeito, quando na real isso não tem.”
“Olha, pra mim o que dá pra esperar de uma pessoa é atitude, ser presente, amigo, parceiro, esse tipo de coisa. O resto é floreio meio desnecessário. Gosto de um certo cavalheirismo. Isso é interessante.”
“Eu assisti ao Cinquenta Tons. O cara nem bem apareceu e as mulheres atrás de mim começaram a suspirar. Olha o grau de lavagem cerebral que o meio faz. Aí elas querem encontrar um Gray.”
“Sabe quem é o meu príncipe favorito?”.
“Quem?”
“Shrek.”
“Ah, ah, ah!”
“É o mais normal de todos.”
“Sim, o mais autêntico. Não é uma ponta de iceberg. Você já viu restaurante em Dia dos Namorados?”
“Já, claro!”.
“Existe uma necessidade coletiva de ter de sair nesse dia. E aí se o cara não lembra de dar presente!”
“E ir parar numa fila de motel?!”.
“Nossa, você vai achar que eu sou um cara nada romântico. Nem bem começamos e tô eu aqui a falar mal do romantismo. Já tô perdendo pontos.”
“Bom, já é um alívio. Muitos pontos pra você! Só acho que tem que ter presente sim, eh, eh, eh!
Ao ver seu sorriso, teve vontade de lhe dar um beijo. Não pensou duas vezes.
Ilustração: Henri de Toulouse-Lautrec
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