Aprender sobre aquilo ou sobre alguém >> Ana Raja


Quinzenalmente, escrevo para o coletivo Crônica do Dia. Geralmente começo a pensar no que escreverei uns dez dias antes. Fico com a ideia borbulhando na cabeça. Convivo com a história, com as personagens, considerando os mais variados desfechos. Assim, amadureço o que vai para o papel. Depois de pensado, é difícil uma mudança no tema. 

Para esta crônica, o assunto futebol exigiu algumas palavras. Pensei em esmiuçar o meu relacionamento com o esporte mais querido do nosso país. Queria mostrar o meu amor e a forma democrática da minha torcida. Desejava contar que o meu time do coração é o Palmeiras e que tenho times de minha preferência em todos os Estados. Gostaria de discutir a frase “mulher não entende de futebol”. 

Perdi o foco.

Estou lendo o livro “Eu não disse”, de Lara Haje. Em um dos contos, a personagem vive um relacionamento abusivo. Ela traz uma cena da pasta de dente, na qual seu companheiro, aos berros, demonstra a sua insatisfação com a maneira “errada” com que ela espreme o tubo: apertando no meio, como a autora diz, “no coração do tubo”. Fiquei pensando nisso. Eu faço exatamente como a personagem. Será que meu companheiro se incomoda? Lembrei da minha irmã, ela tinha a mesma mania. Não sei se é mania ou algo automático e insignificante. O meu cunhado se incomodava com o ritual da higiene bucal, mas ele não berrava. Achou outra forma de lidar com os seus incômodos. Todas as manhãs, levantava antes dela e deixava a escova de dente verde – ela adorava a cor verde – recheada de pasta. 

Perdi o foco novamente.

Li o texto de uma colega do Crônica, Alfonsina Salomão, sobre seu filho, de cinco anos de idade, chegar em casa se dizendo apaixonado pela coleguinha da escola. Ela perguntou se a menina era bonita, e a resposta desse cavalheiro de cinco...cinco anos de idade, demonstrou quem ele será quando adulto:

“Ela ri das minhas piadas.”

Gente, é muita fofura! O que é o amor, senão rir da piada do companheiro?

As nossas relações são comandadas por sentimentos. Às vezes, pela falta deles. Algumas pessoas acreditam que o amor se aninha no domínio, fazendo a(o) parceira(o) acreditar que não existe ou não mereça uma forma saudável de amar. 

No futebol, o molde que uso para esboçar esse amor é questionado pelo fato de eu gostar de vários times e por deduzirem que, por ser mulher, não entendo patavina do assunto.

Nem sempre é preciso ser especialista para gostar de algo. Sabia que gostar é o primeiro passo para aprender sobre aquilo ou sobre alguém?

Lutemos por um mundo em que as pessoas riem das nossas piadas.

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As dores delas, primeiro livro de Ana Raja, está a venda no www.editoraurutau.com.

anaraja.com.br

Comentários

Jander Minesso disse…
Você até pode ter perdido o foco escrevendo, mas conseguiu manter nosso interesse no texto muito bem focado. Delícia de crônica.
Albir disse…
Gostar tem essa liberdade, né? Independe da concordância dos circunstantes e dos especialistas. Independe até de o alvo ser gostável ou não. Belo texto.
Anônimo disse…
Você não perdeu o foco. Tirou o leitor para dançar. Bailamos graciosamente. Adorei.
Zoraya Cesar disse…
Quem quer falar de futebol? Queremos falar de amor! Em suas inúmeras formas de demostração. Ter afeto é o q importa. Nem q seja por trocentos times de futebol. Não há solidão que resista à distribuição de afetos e gostares. Amei a crônica.

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