CALÇADA >> JANDER MINESSO
Outro dia, resolvi testar um caminho diferente para o trabalho. Desci do metrô uma estação antes, na AACD-Servidor. Os últimos lances da escada rolante são tão longos que, na subida, passei por duas fases do Candy Crush.
Mal lancei-me à superfície, já tive que desviar de uma senhora que fitava qualquer coisa do outro lado da rua. Enquanto isso, o cigarro entre os dedos dela queimava até a metade. Paulistano honorário que sou, me esquivei, resmunguei e segui naquela calçada suja, estreita e cheia de gente.
Três passos adiante ancorei a caminhada, porque outra senhora vinha na minha direção. Ela fincava a bengala no chão, dava um passo e depois puxava a perna ruim com o braço livre, tudo isso enquanto me encarava. Encostei ao lado de um carrinho de doces para abrir passagem. O dono era um baixinho de camisa aberta e chapéu de aba curta, a palha se desfazendo em alguns pontos. Ele apontou para os doces com os olhos, mas recusei a oferta e, assim que o caminho ficou livre, contornei a carriola e retomei a jornada sob o sol poeirento de verão.
Passei ainda por um vendedor de cural e milho verde; uma van de cachorro-quente; mais três fumantes que também fitavam o nada enquanto o cigarro derretia; e uma criança que implorava, em vão, para que a mãe não a arrastasse para dentro do hospital. Ainda tropecei numa lajota solta antes de chegar na Avenida Ibirapuera.
Enquanto esperava o sinal abrir, aqueles personagens todos ficaram dançando dentro da minha cabeça. Fiz força para que eles não virassem uma mistura homogênea de dor, silêncio e comida de rua. Quando o semáforo ficou verde, atravessei para o lado do Jardim Lusitânia. Ali, as calçadas eram limpas e vazias, mas continuavam estreitas.
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Imagem: arquivo pessoal
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