em ituiutaba >> whisner fraga
todas as cidades interioranas têm as suas figuras míticas,
se brincar, as capitais também, embora, nas megalópoles, o espaço para a surpresa com o que foge ao normal seja menor,
o que corria à boca miúda e, principalmente, à graúda, era que qualquer um podia entrar na casa dele,
resolvemos, eu e um amigo, verificar,
o portão da garagem realmente estava aberto: invadimos, a porta da sala igualmente escancarada,
da calçada conseguíamos ouvir a música: the who, como vim a saber algum tempo depois,
umas dez pessoas estavam sentadas pelo chão do cômodo, curtindo o som, fumando, conversando, todo mundo numa boa,
escolhemos um canto e nos ajeitamos, sem cumprimentar ninguém,
o dono da casa só podia ser o indivíduo magérrimo sentando numa poltrona, quase na entrada do corredor que levava à cozinha e a um corredor,
no chão, ao lado dele, podíamos ver umas quatro garrafas vazias: uísque e vodca, me pareceu (ainda que a idade não me permitisse maturidade suficiente para discernir),
um copo cheio de destilado era levado à boca, com certa constância,
os óculos fundo de garrafa estavam embaçados,
o toca-discos e as caixas de som de frente para o anfitrião, mas longe o bastante para que ele não se levantasse para virar o vinil,
um dos presentes, certamente alguém com mais intimidade com os procedimentos locais, fazia este trabalho,
descobrimos, pouco depois, que o mesmo indivíduo escolhia a bolacha da vez, colando em marcha o aparato que nos permitia curtir aquele belo som,
até que, no meio de um solo, ou mais para o final, não me recordo direito, um estalo: nos assustamos, um simples furo na trilha não seria capaz de tamanho ruído,
não chegou a rolar uma gritaria, mas o silêncio foi imediato: o espanto tem dessas idiossincrasias,
mistério de fácil solução: nas mãos de nosso novo amigo, o anfitrião, uma espingarda: nos voltamos para o teto, onde detectamos vários furos e, entre eles, indiferente, faceira, uma lagartixa, vivinha da silva, ilesa a mais um tiro.
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