TODAS AS CINZAS >> Soraya Jordão


Nada escapa da erosão do tempo. Mesmo aquilo que, outrora, fez-se grandioso, inesquecível, acaba por encontrar seu destino de cinzas.

É triste pensar que o início de todas as coisas tem por função abrir as portas da sua finitude. Mas não é isso que nos ensina a paixão, com seus braços musculosos a nos pegar pela cintura e, depois, sem dó, nos soltar no ar? 

Ainda assim, não se pode negar: quem a desconhece teve o infortúnio de perder um raro e saboroso encontro. Embora, também, seja honesto afirmar que muitos preferem ignorar sua grandeza com o intuito de evitar contratempos futuros, feito quem não prova a sobremesa para não engordar.

De minha parte, abro mão da estabilidade da eternidade e caço coragem para me lançar no sedutor descompromisso do instante.  

Assim é a vida e o Carnaval: em suas cinzas paira o indestrutível do que foi degustado com as vísceras. Em seu desfecho, o eterno recomeço.

Ah, que graça é viver de inícios que terminam para florescer em outros cantos, de outras formas, com outras fantasias e cenários.

A Quarta-feira de Cinzas é o testemunho de que a eternidade é um fluxo ininterrupto de fins. 

Comentários

Anônimo disse…
Quanta beleza em suas palavras. E vamos vivendo as quartas-feiras em busca de recomeços!
Anônimo disse…
Como diz o poeta Gonzaguinha: "ao som desse bolero vida vamos nos e nao nao estamos sos"
Zoraya Cesar disse…
"De minha parte, abro mão da estabilidade da eternidade e caço coragem para me lançar no sedutor descompromisso do instante." Gostei mto disso. Uma estrofe a se destacar no meio de um texto poético.
Jander Minesso disse…
Nunca fui fã de Carnaval, mas sempre gostei de pensar no Tempo. Você casou muito bem os dois assuntos, Soraya.
Mário Baggio disse…
Me lembro das manhãs de Quarta-feira de Cinzas no interior. Tinha missa. Os mais beatos e as mais beatas saíam dela com um tiquinho de cinza na testa, que o padre aplicava na hora da comunhão. Vi minha mãe várias vezes com essas cinzas na testa.

Postagens mais visitadas