FANTASIAS >> Carla Dias
Fantasiar-se é algo que acredita lhe beneficiar. Parece que outros gostam de como lhe cai bem ser outra pessoa, seis vezes por semana. Quando aceitou o emprego, pensava que seria temporário, pois seus planos eram outros, e o mais ousado deles incluía conhecer alguns lugares do mundo, saborear outras culturas. Tinha tudo planejado, desde a época que não consegue deixar de chamar de colegial, de quando História era mais do que uma matéria que lhe agradava e Geografia a fazia imaginar futuro de conhecer fronteiras, de atravessar algumas delas. Os clientes apreciam seus serviços, elogios e recomendações não faltam, o patrão reconhece seu talento e acredita na própria boa sorte de ela ter entrado em seu estabelecimento para se proteger de chuva torrencial, há sete anos. Era temporário, mas precisava organizar as finanças. Queria conhecer lugares, pequenas cafeterias em diferentes cidades, onde ficaria a saborear café e escrever as histórias que a habitavam desde sempre. E conhecer pessoas que lhe contassem suas vidas durante uma conversa despretensiosa. Gosta de escutar o que estranhos têm a dizer, isso a mantém concentrada no trabalho, apesar de limitar os assuntos. Fantasiar-se é algo do qual precisa, mas, apesar de lhe beneficiar, já que assim mantém um lugar para morar e as contas em dia, não alimenta seu espírito. Foi avisada de que precisa perder peso para não perder as fantasias, e, se isso acontecesse, o custo das novas seria descontado do seu salário. O patrão reconhece o mérito dela, mas não é difícil encontrar alguém que caiba em fantasias e não dê a ele prejuízo. À noite, ao se deitar na cama ruidosa, doada por uma vizinha que deixou o prédio e não gostava de vê-la dormindo em colchão no chão, fantasia como seria se não tivesse se perdido no tempo, mas corta logo o diálogo interno e fixa o pensamento na necessidade real. A partir de amanhã, cortará as calorias, fará ginástica, matará ansiedade bebendo litros de água. Precisa caber nas suas fantasias.
Comentários
mas... recebi e ponto final.
a alegria foi se transformando em uma sombra que assombra todos aqueles que conhece sobre fantasias.
uma crônica sua é sempre uma certeza que estaremos diante de uma escrita superior, e assim, assombrado, eu te saúdo.