PRESENTE >> JANDER MINESSO
– Licença. Foi aqui que nasceu o Salvador?
– Que é isso? Quem você pensa que é pra ir entrando na manjedoura alheia? Zé! Socorro, Zé!
– Calma, senhora. É coisa rápida. Estamos aqui em nome de Deus, para visitar o filho Dele.
– Ah, não…
– Meu nome é Baltazar. Meus amigos Gaspar e Belchior estão manobrando os camelos.
– Ôrra, três? Saudade de quando Ele só mandava um anjo e olhe lá. É Barrabás, né?
– Baltazar.
– Meu querido: diz pra Deus que a criança tá ótima, mas tá dormindo. E a mãe também vai bem, obrigada. Agora, pode tirar o camelinho da chuva e seguir seu caminho.
– Então, deixarei as lembranças e tomarei meu rumo. Se me demorar, vou acabar perdendo o rastro da estrela cadente e confesso que não sei pegar o retorno da Pérsia-Belém sozinho.
– Ele mandou uma estrela cadente pra guiar vocês?
– Aham. Muito bonita, por sinal.
– Gente, que aparecido. Não era mais fácil botar no Waze?
– Caríssima, não quero tomar seu tempo. Os camelos estão em fila dupla. Viemos só para deixar os presentinhos da criança, mesmo.
– Não, senhor. Agora, eu quero companhia. Quem mandou ser amigo de Deus? Vai ficar aqui até o pai da criança voltar.
– Até Deus voltar?
– Não, né? Até o Zé voltar. Ah, deixa essa história pra lá.
– Estimada: os presentes estão aqui. Se quiser trocar, é só manter a etiqueta. Agora, eu preciso mesmo ir. O trevo de Belém está um caos por conta de um engavetamento. Fila única para ir e para voltar.
– O que é isso aqui? Incenso?
– Exato. Nag Champa. Foi o Gaspar que comprou. Coisa boa, atóxico e tudo. Mas se a moça me permit…
– Nossa, que cheiro ruim. É incenso de quê?
– Arruda. Tira mau olhado e qualquer coisa ruim que jogarem para cima da criança.
– Bela porcaria de presente.
– Compramos tudo na Camicado. Tem uma loja enorme em Jericó. É só levar lá e eles trocam na hora. Mas agora, preciso mesmo ir, porque o meu camel…
– Fica aí. Se sair, eu acabo com a sua vida.
– Vão guinchar meu camelo, senhora!
– Azar o seu. Essa caixa aqui é de quem?
– É a minha. Tem mirra.
– Mirra?
– É bom para micose, dor de barriga, mau hálito…
– Isso lá é presente de criança, Barnabé? Cadê o Playstation?
– Achei a mirra mais útil. Posso ir?
– Meu querido, não tem coisa mais útil que videogame. Uma hora que essa criança passar jogando é uma hora de paz na minha vida. Tem Playstation na Camicado?
– Creio que não. Tem prato, panela, fuê. Essas coisas.
– Um fuê seria bom pra bater a gemada do menino. Dá essa outra caixa, aí. De repente, o terceiro foi mais esperto e comprou um fuê.
– O Belchior.
– Eita, o cantor?
– Não, o rei mago.
– Rei mago faz o quê, hein?
– Reina e faz magia. E agora, eu precis…
– Prefiro cantor que rei mago. O Roberto Carlos passou aqui mais cedo. Fez uma música linda, pedindo pra eu dar a mão para ele e tudo. Muito sensível, o Roberto.
– E se a senhora abrisse o último presente?
– Tá com pressa?
– É ouro. O Belchior deu ouro para o menino. Pronto.
– Vende ouro na Camicado?
– Minha senhora: se eu não sair agora, serei obrigado a pegar esse ouro de volta para pagar a multa dos camelos.
– Pegar de volta coisa nenhuma. É o único presente bom.
– Então, faça bom uso. Eu vou embora.
– Você não é doido de sair sem a minha autorização.
– Olha lá: tão guinchando o meu camelo! Eu sabia!
– Grandes coisa.
– Eu já tinha reservado camarote pro réveillon na Babilônia, minha querida! Agora, só vou chegar lá depois do Carnaval! Não acredito.
– Ai, que drama. Vocês não vieram em três?
– Que diferença faz?
– Pega carona. Camelo não tem duas corcovas?
Imagem: Pixabay
Comentários
Bichinha arretada!!!
Que lindo texto, Jander!
Camicado foi demais...hehehe