SAUDADE DAQUELES VOOS >> Ana Raja
Melhor reconhecer: não somos mais os mesmos desde aqueles anos. Incorporamos uma lista interminável de hábitos, e eles se refletiram dos afazeres domésticos ao estilo de trabalho, pense no home office, por exemplo.
Eu tenho uma saudade: da organização das fileiras para sair do avião. Que coisa mais educada.
Ele pousava e, por encanto, ninguém - absolutamente ninguém - se levantava. E se tivesse algum desavisado, logo recebia uma advertência e se sentava.
“Passageiros das fileiras 1 a 5 podem desembarcar”… linda cena.
“Passageiros das fileiras 6 a 12...” e assim por diante. Todos saiam civilizadamente.
Quem decretou o descarte dessa organização tão necessária? Quanta estupidez! E por que esse comportamento não criou raiz dentro de nós?
Ah! Saudade! Ficava ali, tranquila na minha fileira, esperando o momento de, com calma, me levantar da poltrona, retirar a mala, com segurança, do bagageiro e caminhar pelo corredor, uma verdadeira passarela por onde desfilávamos.
Qual o motivo de se descartar algo que funciona tão bem? Voltar ao tempo das cavernas?
Quando o avião pousa, ouvimos uma sinfonia de cliques dos cintos de segurança a serem destravados, as tampas dos bagageiros imitando uma coreografia do nado sincronizado, todos de pernas para o ar. Em alguns segundos, a porta nem foi aberta e o corredor está lotado. A fila não anda, as pessoas, impacientes e em pé, não podem fazer nada a não ser esperar a sua vez.
Se todos estão atrasados para os seus compromissos, ou como dizia o meu avô, para tirar o pai da forca, um pensamento mais trágico passa pela minha cabeça: o avião está pegando fogo. Mas não é nada disso.
Vou tentar sair da minha fileira com uma bolsa, mochila e, muitas vezes, ainda preciso confiscar a mala guardada acima da minha cabeça, que, a essa altura, foi jogada de um lado para o outro do bagageiro pelos passageiros mais afoitos.
O acesso à saída é difícil. Sou obrigada a invadir a preferencial e não ligar para a cara feia de ninguém. As pessoas não dão passagem. Infringi uma regra de trânsito gravíssima, sei disso, mas não tem jeito, preciso impor o meu corpo no estreito corredor ou enfrentar o medo de ser esquecida pela tripulação.
Eu tenho saudade desse tempo dos voos organizados, tão moderno...silencioso...educado.
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