IMPECÁVEL ARRANJO DE DISFARCES >> Carla Dias
Abre os olhos para enxergar o diante.
Do outro lado da rua, o menino sacode os braços em uma coreografia estabanada. Há muito não o observava tão de perto; esquecera de como seu rosto se contrai graciosamente esquisito durante o encarar, a fim de evitar que o notem despido da carranca de proteção. A severidade do menino tem os cabelos penteados em um impecável arranjo de disfarces.
Pede pausa para escutar o dito pelo olhar, pois sente falta da energia impregnada naquele corpo miúdo, apesar de maior do que os de sua idade. O menino aprendeu a desviar o olhar interpretando um quem não se importa, mas a curiosidade se dedica a contradizê-lo, avermelhando suas bochechas na correria das brincadeiras ou nos escondes do desapontamento.
“Silêncio”, repete. O menino leva seus gestos ao comportamento das prisões, os braços ancorados ao lado do corpo. O homem vê os lábios do infante se mexerem, e os traduz na cadência da falta: cadê o pai para me ensinar a aprender? Cadê a mãe para me alimentar de esperança e contentamento?
O silêncio se empanturra de faltas. O homem acena, o menino se esforça e resiste a oferecer contrapartida ao gesto; a testa enrugada, punhos cerrados, pernas inquietas. Agoniza o decurso que os separa. Uma rua, basta estar do outro lado para a distância se esparramar.
O homem sorri, mas é sorriso amarrado. Prefere manter a clareza de quem não se curva aos espetáculos emocionais, apesar de não saber fazê-lo com primazia. Às vezes, elas lhe escapam; emoções dominam seu enredo. O menino capricha na carranca, o homem se lembra de como o pai se desfazia dela: uma boa conversa sobre antigamente, sobre antes dele; e sobre o futuro, quem ansiava que o filho se tornasse.
O vazio do menino dialoga com as dúvidas do homem. “Silêncio!”, gritam em uníssono, e então, os sorrisos se alargam, e, antes de caírem no choro, gargalham em tentativa de espantar incurável saudade.
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