TEREZA >> André Ferrer

“Entre, meu amigo!”, disse eu para ele.

Magro, sempre magro, mas um monte nas atitudes. Pior, achava-se, muito inconvenientemente, um divisor de águas.

“O que foi desta vez, meu amigo?”

“Tereza.”

“Ainda!”

“Tereza.”

“Ah, sim! Tereza.”

“Tereza.”

“Pois, então, eu vou repetir para você: meu amigo, todo ingênuo é, antes, um maniqueísta”, pausei. Eu precisava respirar e, muito a contragosto, admitir que me prestava àquele papel de Maomé desde o jardim de infância.

IMAGEM: Vector Portal

“Monte, meu amigo”, não falei. Disse o de sempre. Evasivo, mas direto, eu repeti que o mundo não podia ser visto sob tão simplória cartografia. Tirante a do Equador, havia um sem-número de linhas possíveis e imaginárias: a Kundalini, as paralelas, a Sorocabana, as cortantes, a linha do meio de campo.

“Enfim, a vida não é um jogo simples.”

“Não! E Os Com Camisa versus Os Sem Camisa?”

“Esqueça”, respondi, contendo-me outra vez.

“Tereza.”

“Tereza. Cruzar ou casar. Trepar ou casar. O bem e o mal.”

“Tereza.”

"Escute, aqui, uma coisa”, não disse. Você, meu amigo, sabe o que são irmãos xifópagos? Então! O bem e o mal dividem o mesmo tórax. Na cabeça dos ingênuos, pode até ser viável uma separação. Agora, no mundo de verdade, bem e mal andam esfumados. Imunes a cirurgias, eles vibram no mesmo lugar e não. Eles habitam posições tão dinâmicas e imensuráveis quanto a posição do elétron. A natureza do bem e do mal é quântica, meu amigo. Trata-se de uma dupla tinhosa. Ela rende muita obediência ao Princípio da Incerteza.

“Tereza”, ele repetiu. “Ela se foi e o sofrimento, não. Diz alguma coisa. Diz.”

“Tudo bem. Vou dizer: faz um ano, já, e você a perdeu, idiota”, disse, finalmente, naquele triunfo adiado desde que brincávamos numa caixa de areia.

“Que grosseria. Estou decepcionado. Um amigo nem pode mais se abrir contigo?”

“Ah! Como não? Faz um ano que deixo pistas!”, retruquei furioso. “Você namorou a Tereza durante cinco anos e jamais conseguiu resolver aquela sua dúvida imbecil. Agora, fica aporrinhando todo santo dia! Chega-se, logo, a um limite.”

“Puxa vida! Eu só descobri depois que a Tereza era mulher pra casar”, fez choroso. “Tarde demais.”

 

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Esta crônica faz parte do projeto Crônica de um ontem e foi publicada originalmente em 15 de fevereiro de 2016

Comentários

Jander Minesso disse…
Acho que eu também conheço esse cara.

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