UMA GATA NA NEVE >> whisner fraga

 



a gata manca neste frio antipático: aos dezessete anos não se brinca com dores nas juntas, 

deve ter outros padecimentos, mas este é exageradamente visível,

a tarde soluça inquieta e ela adivinha o inverno esparramado em todas as noites,

minha compaixão não alivia nada, muito menos a dor cravando seus espinhos no olhar indefeso do animal,

como se não bastassem todas as solidões acutilando a serenidade, protegidas por esse vento que assovia a intranquilidade,

minha mãe acode, décadas atrás, afiada: inveja tem sono leve, tem espinho na cama?,

tanto mal com insônia, acrescento, alto, sozinho,

vocês também intuem alvoroços?,

enquanto a kombi, maria rita, elis, inteligências artificiais, o comercial, o führer, ganham as redes sociais, a discussão promete, leio daqui, pinço dali, mas a imponência de um miado rechaça a fuga,

há quatro jabuticabas vingando no tronco e o descaso tateando um rio infinito, a dor,

a fronteira laranja se enfronha na janela, 

é um asco sorrateiro, 

a menina espirra, tosse, 

a rinite abanca, liga a tv, pede a pipoca, empunha a cerveja, ri,

os ácaros comemoram,

e minha compaixão não abranda nada.


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imagem: dall-e.

Comentários

Carla Dias disse…
Esse entrelaçar a realidade com as palavras no imaginado é sempre bom de ler. O frio, as dores, o gato existe. A menina está lá. Gosto de como você tira a jabuticaba do pé e coloca no texto.
Jander Minesso disse…
E ainda assim, a gente se compadece. Bela coletânea de momentos.
Zoraya Cesar disse…
Um mosaico de sentires e existires. A compaixão acompanhando suas linhas com olhos arregalados. o lance da jabuticaba foi primoroso.
Nadia Coldebella disse…
A coisa mais triste desse mundo é um gatinho sentindo dor, porque geralmente gato não consegue comunicar as dores que sente. Por isso a compaixão é um sentimento oportuno. Faz olhar, não só pro gato.
sergio geia disse…
Belo registro. Que poesia linda brota de suas palavras.

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