UMA GATA NA NEVE >> whisner fraga
a gata manca neste frio antipático: aos dezessete anos não se brinca com dores nas juntas,
deve ter outros padecimentos, mas este é exageradamente visível,
a tarde soluça inquieta e ela adivinha o inverno esparramado em todas as noites,
minha compaixão não alivia nada, muito menos a dor cravando seus espinhos no olhar indefeso do animal,
como se não bastassem todas as solidões acutilando a serenidade, protegidas por esse vento que assovia a intranquilidade,
minha mãe acode, décadas atrás, afiada: inveja tem sono leve, tem espinho na cama?,
tanto mal com insônia, acrescento, alto, sozinho,
vocês também intuem alvoroços?,
enquanto a kombi, maria rita, elis, inteligências artificiais, o comercial, o führer, ganham as redes sociais, a discussão promete, leio daqui, pinço dali, mas a imponência de um miado rechaça a fuga,
há quatro jabuticabas vingando no tronco e o descaso tateando um rio infinito, a dor,
a fronteira laranja se enfronha na janela,
é um asco sorrateiro,
a menina espirra, tosse,
a rinite abanca, liga a tv, pede a pipoca, empunha a cerveja, ri,
os ácaros comemoram,
e minha compaixão não abranda nada.
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imagem: dall-e.
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