POSSO ENTRAR? >> Soraya Jordão
Eu era uma menina muito atrapalhada com as letras, com a escrita e com a escola, talvez por ser dotada de um juízo de areia, útil, apenas, na construção de castelos. Era o que eu fazia de melhor. Cada um maior que o outro. Mas sempre vinham as ondas…ondas de descrédito, crítica, inveja, comparação. Derrubavam tudo, eu reconstruía, derrubavam de novo, eu reconstruía. Cansada dessa trabalheira, passei a modelar meus inventos longe dos olhos de toda gente. Guardava para mim meus castelos. Assim, podiam ser do jeito que eram. Um dia tomei um susto muito grande, percebi que algumas construções tinham sido destruídas por umas marolas que vinham de dentro. O volume de água foi crescendo até soar o meu alerta de tsunami. Era fugir ou nadar. Mergulhei para dentro de mim em busca de um lugar alto para me abrigar. Quando parecia não restar fôlego, a palavra “socorro” lançou-me uma corda. Agarrei com força. Quem diria que ali, no mundo dos tropeços, eu encontraria refúgio? Logo eu que desde a infância não tinha jeito com as palavras. Fugia delas com medo de errar outra vez. Precisava agradecer a Socorro por tamanho livramento. Deitei em seu colo, segurei em suas mãos, beijei como quem pede a bênção e deixei escapar um “por quê?”
Ela sorriu, bagunçou meu cabelo e respondeu:
— O lugar mais alto vem sempre depois do medo. Quando precisar de abrigo, escreva!
Se precisar chorar, sorrir, amar, pensar, descobrir, esconder, revelar, abraçar, escreva!
Jamais esqueci o ensinamento: é depois do quebra-mar do medo que encontramos a coragem de tentar até conseguir. Foi assim comigo. Segurei nas mãos das palavras e saí a caminhar. Agora, cá estou. Na porta dos seus olhos, esperando por sua acolhida.
Posso entrar?
Imagem © Carlos Villada, por Pixabay
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