CHURRASCO ESPECIAL >> SERGIO GEIA
Era um churrasco em Perdizes.
Estaciono o carro, uma moçada esquisita fuma um baseado ali perto, toco a campainha.
Fernando, o dono da casa, aparece. Desde que se mudou com a família para São Paulo há mais de cinco anos, é a primeira vez que nos encontramos. Fomos colegas de escola, jardim da infância ao colegial; coroinhas, companheiros de futebol, tocamos na mesma banda. Só nos separamos na faculdade. Enquanto eu fui fazer Direito, Fernando escolheu o Jornalismo. Depois de anos trabalhando num jornal em São José dos Campos e morando em Taubaté, já casado, duas filhas, ele conseguiu um emprego na Folha. Mudou-se pra Sampa rapidinho.
Entro, ele me dá um abraço, seguimos até o quintal.
O recanto do guerreiro fica próximo à piscina, o fogo na churrasqueira estala. Paula, sua esposa, forra a grelha de linguiça. Assim que me vê larga tudo e vem me dar um abraço.
Mais que rever amigos, eles sabiam que aquele churrasco era especial para mim por um detalhe muito importante: um dos convidados era simplesmente o Antonio Prata, com quem Fernando trabalha no jornal. Quando ele me contou que eram amigos e que o Antonio estaria no churrasco, eu não acreditei.
Antonio é uma referência no assunto crônica. Há textos seus que são memoráveis. Batman e Chaplin, por exemplo, quando ele fala do guarda-chuva. Ou Laranjas e chocolates, quando fala da decepção da nova vizinha com seu ateísmo. Ou Acaju, quando Prata começou a pintar o cabelo. Será? Ah, são tantos... Tenho em casa alguns de seus livros. Meio intelectual, meio de esquerda, da editora 34. Nu, de botas, da Companhia das Letras. E muitas, muitas crônicas publicadas na Folha.
A oportunidade de conhecê-lo pessoalmente, quem sabe trocar umas ideias, mexeu comigo. Fiquei um mês ansioso, ansiedade braba, coisa de não dormir, de perder o foco, a concentração.
O pessoal chegando, o quintal começando a cheirar a carne assada, eu tomando uma cerveja acompanhada de uma cachacinha, de repente vejo o Fernando me chamando:
— Serjão, preciso de um favorzinho. Você não compra pão? Acredita que esqueci? A padaria é ali na esquina.
E ficava perto mesmo. No caminho, não sei bem por que, me vem à mente uma dúvida besta: o Fernando está me curtindo com essa história do Prata? Não pode ser. Ele é gozador, sempre foi. Mas ao mesmo tempo penso, não, Fernando agora é um cinquentão, ele não iria brincar com coisa séria, imagina.
De volta, meio bolado, os sacos de pão nas mãos, já quase chegando, uma imagem faz meu coração disparar. Taquicardia, falta de ar, a mente é uma confusão, dor de cabeça. Meu carro. Sumiu. A moçada esquisita. Puta que pariu! Roubaram o meu carro!
Já no quintal, quem eu vejo tomando cerveja artesanal ao lado da churrasqueira? Antonio Prata.
Ouço uma sirene se aproximando. Polícia. Logo, o som se torna mais nítido e percebo que se trata de um alarme da lojinha aqui perto de casa. Abro os olhos. Vejo o teto do meu quarto. Tento ajustar o pensamento. Bosta. Rola um dilema. Estou aliviado por saber que meu carro está na garagem? Ou triste por entender que o Antonio Prata tomando cerveja ao lado da churrasqueira não passou de uma mera ilusão? Acho que não consigo entender meus sentimentos agora. Tá na hora de me arrumar pro trabalho. Levanto. Bate uma tristeza.
Ilustração: Pixabay
Comentários
Vc é um mestre das crônicas, meu amigo, e acho que o Prata é quem gostaria de te conhecer!
Gde abraço!
Na torcida pra que o sonho desse encontro se torne real.
Também penso como o Whisner, André rsrs.