QUEM VOCÊ QUER SER QUANDO AMANHECER? >> Carla Dias
Se tudo se mistura assim, promovendo a conciliação entre improváveis, por que não observar de perto? Mas não quer arriscar o futuro do seu passado. Se necessário, escolherá desapegar do desejo de antes, de não mais enxergar o momento quantas vezes couber na noite, esse cômodo seguro para a existência dos desfantasiados de variações sobre o tema de seus interesses. A mente feito tela de cinema.
A originalidade é um fetiche.
A menina acredita que ela mora no rabisco-desenho que presenteou aos pais. O menino a identifica na vitória conquistada no jogo. Adultos, mudam somente os cenários, mas a efemeridade é a mesma. A originalidade é uma coleção de organizados de hoje assim, amanhã, de outro maneira.
Mudanças inquietam os que se perdem na noite, enganando-se com a simplicidade da louça do jantar lavada, descansando no escorredor. E as frases que repetem, na tentativa de apaziguar ansiedade, que alguns chamam de oração, mas há quem garanta que são uma declamação de mágoas e esperança.
Os da noite se distraem com os sons que ela não consegue desligar: gargalhada miúda vinda da casa ao lado, a tevê alta que diz o que preferiam não escutar, os carros derrapando a vontade de seus condutores de chegarem onde já desejavam estar desde muito antes.
Segue colocando ordem nas ideias e na casa. Roupa lavada, organização dos trabalhos, planejamentos necessários para a sobrevivência de uma rotina que se ajeita no corpo da noite.
Quando ela começa a se despedir, cochila no sofá até o despertador lhe trazer de volta e a claridade que invade o apartamento feito visita inesperada. Sente falta da noite quando ela se ausenta. E amanhã, já decidiu, depois de se exaurir com as tarefas que o dia traz com ele, anoitecerá mais cedo, certo de poder contar com a ajuda das cortinas.
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