Carolina >> Alfonsina Salomão
Carolina estava deprimida. Não, estava puta. Se sentindo uma puta e puta de raiva do marido. Afinal, era culpa dele se ontem ela se pegou chupando o pinto frouxo de um homem dez anos mais novo e, hoje, conferindo o telefone a cada cinco minutos, à espera de uma mensagem que não chegava.
Tudo o que queria era um casamento normal, com sexo. O marido não entendia, não acompanhava. Durante anos, Carolina, que estudara em colégio de freiras e acreditava na fidelidade, tentou ter uma vida sexual básica com o marido. Mas o desgraçado dizia que trepar uma vez a cada três meses era a normalidade para um casal velho como o deles. Nem beijo na boca ele dava. Carolina padecia. Ela amava beijar! Jovem, sonhava em ter um namorado só para beijar na boca todos os dias. Deve ser maravilhoso, suspirava. Como passara disto para uma vida conjugal sem afagos nem trepadas?
Sentia-se humilhada, pelo marido e pelos amantes. Sim, amantes no plural. Porque desde que decidira que não dava mais para esperar o marido acordar – logo após ter sido rejeitada por ele antes mesmo de terminar de atravessar a sala, quando caminhava em sua direção maquiada, de braceletes nos braços, camisa de seda aberta e calcinha de renda, sentindo-se linda – dera para três homens diferentes. Se apaixonou pelo primeiro, um latin lover que ao menos teve a decência de não fingir ser outra coisa. Após dois meses sofrendo em silêncio, concluiu que só uma pica nova poderia apagar a memória da outra. Investiu em um rapaz gentil, bem-apessoado e, como intuíra, bom de serviço. Mas não adiantou... não encontrou nele a intimidade instantânea que vivera com o latin lover, que lhe dava vontade de ficar com o nariz enfiado em seu pescoço, sentindo seu cheiro e segurando-se para não dizer que o amava. Este segundo homem era de poucas palavras e iniciativas. Carolina ficou atordoada, sem conseguir identificar se era timidez ou desinteresse.
Por isso, quando o jovenzinho boa pinta lhe tascou um beijo no meio do forró, não resistiu. Puxou-o pela mão até o banheiro e disse: “Pode me beijar aqui, sem ninguém ver, mas na frente dos outros não, sou casada”. O coitado levou um susto. Ela explicou que estava numa relação mais ou menos aberta. Ele pareceu ainda menos convencido do que ela, mas funcionou: logo logo pegava e beijava Carolina com vigor, do jeito que ela gostava e o marido não fazia. Durou alguns deliciosos minutos, até um garçom aparecer e dar bronca, não podiam ficar ali. Levada pelo desejo e pela fantasia de que o jovem enérgico seria um touro na cama, embarcou no uber com ele. Deu no que deu... Mais uma vez, Carolina não soube dizer se o parceiro estava intimidado ou desinteressado, e suspirou pensando no latin lover.
Enquanto esperava a água do chá ferver e olhava a tela do celular pela centésima vez, lembrou-se das bobagens que lia quando adolescente nas revistas femininas da mãe. “Homens têm medo de mulheres poderosas”. Será? Será que uma mulher adúltera e em paz com sua decisão assusta os homens? Ou eram só uns filhos da puta mesmo, incapazes de pegar o telefone e escrever uma mensagem no dia seguinte? Nem podia reclamar que eles queriam apenas sexo, ela mesma não desejava outra coisa. Ou talvez sim... Talvez houvesse avançado em alguns aspectos, mas empacado em outros. Talvez não estivesse de fato emancipada do modelo heteronormativo-monogâmico-patriarcal, como gostava de acreditar. Talvez fosse ela quem devesse ligar no dia seguinte e confortar os parceiros. Carolina já não entendia mais nada. Sabia apenas que estava puta.
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