UMA ILHA >> Carla Dias


Amabilidades não o ganham. Aceitou, há muito tempo, a animosidade dos próprios sentimentos. Tem aversão às palavras arrastadas, engatadas a um tom de voz acolhedor de quem acolhe ninguém. Elegâncias não o rendem, tampouco honrarias, apesar de gostar do raso de conforto que elas concedem ao seu corpo pagão, um abrigador de desejos que ele sabe, são saciados às lascas. Não renuncia às lascas, nem mesmo às lascas das lascas. Tem entendimento sobre o que rareia, feito seus cabelos, ainda que tente convencer, a uma plateia desinteressada, de que há muitos fios a ancorar sua juventude e não importa que seja à custa da própria capacidade sedutora de renegar o quase fenecimento dela. Pois é dos que não gostam de afetuosidades irreverentes, daquelas que se amparam em uma sinceridade que necessita de longas pausas trazidas à vida, com o fim de dramatizar a questionável importância dele. Evita devaneios que o levem para além dos imóveis que conhece desde sempre, cômodos por eles frequentados, dos quais conhece cantos e varandas herdados de uma cidade povoada por aqueles que aceitam, ainda que forçados, que jamais conseguirão uma conexão com ele que dure mais que um minuto. Porque ele está acostumado às lascas... de lascas ele entende. E de tudo o mais que cabe no que não exige mais do que ele possa oferecer: justiças despercebidas, construções desalinhadas, palavras desconectadas por pura falta de verbo. A arquitetura na qual as amabilidades que se acomodam são as que chegam sem contestar que é assim que ele sabe ser. Acredite, ele tentou ser diferente. Não deu certo. 

I am a rock
I am an island
And a rock feels no pain
And an island never cries
- Paul Simon -


Image by 愚木混株 Cdd20 from Pixabay

carladias.com


Comentários

Zoraya Cesar disse…
Carla, esse é daqueles q, cada vez q a gente lê, dá um sentido diferente. E todos incômodos, como uma lasca de madeira no pé, q a gente nao consegue localizar para tirar e acaba ficando por ali, a dor se acomodando ao corpo.
Como disse Lord Whte...
Carla Dias disse…

Branco, em uma palavra você me deixou pra lá de feliz!

Ah, Zoraya... pra lá de feliz.

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