BENEDITA >>> Alfonsina Salomão
— Você é completamente louca! – ele disse, deixando-a plantada ali, atônita.
Benedita levou as mãos ao rosto e sentiu o calor das bochechas, que latejavam. Estão em chamas, constatou, não sem espanto. O que tinha acontecido? Começou com uma estratégia infantil para calar a boca do marido.
— Sim, sou uma péssima esposa, uma péssima mãe, um monstro! – respondera quando ele disse, pela milésima vez, que todos os problemas do filho eram sua culpa.
Esperava que estas palavras fizessem-no recuar nas suas acusações, reconsiderar seus propósitos. Esperava que ele respondesse algo como:
— Não, não é isso. Não estou dizendo que você não é uma boa mãe, menos ainda que é um monstro, apenas que...
Mas não funcionou. A estratégia não surtiu nenhum efeito no marido de Benedita, que continuou apontando o dedo para ela, culpando-a de tudo o que estava errado na família.
Como ele pode dizer isto, logo a mim, que me dedico de corpo e alma ao menino desde que ele chegou ao mundo? Logo a mim, que me esforço todos os dias para ser boa mãe, boa esposa, boa dona de casa? Logo a mim, que abandonei minha carreira para me dedicar exclusivamente a eles? Logo a mim, que consolo os filhos, cato os brinquedos, dobro as roupas, cozinho os legumes ? Logo a mim que, todas as noites, antes de dormir, rezo e peço a Deus que me ajude a apoiar o marido em todas as circunstâncias, a ser a grande mulher por trás do grande homem.
Estes pensamentos dançavam na cabeça de Benedita, que ouvia as acusações do marido incrédula. Ele é insensível aos meus esforços. É imune ao que estou dizendo. Não sente nenhum amor por mim pra me tratar deste jeito. Será que nem pena sente? Nem isso? Inflamou-se:
— Sim, sou um monstro. Você quer me bater? Se sou tão horrível assim, por que não me bate? Vai, bate!
E PAF, o tapa voou na cara dela.
Ele não viera das mãos do marido, mas da própria Benedita. Batera em si mesma. Uma vez. Duas. Três. Alternadamente, na bochecha esquerda e depois na direita. Batia e olhava nos olhos do marido, desafiadora.
— É isso que você acha que eu mereço, não é? Então vai lá, bate.
E PAF! PAF! PAF! PAF! PAF! Os tapas se emendavam, cada vez mais secos, cada vez mais fortes. PAF! PAF! PAF! PAF! PAF! PAF!
Quantas vezes batera em si mesma, sob o olhar chocado do marido? Vinte? Trinta? Cinquenta?
Cessou os tapas e fixou o marido, furiosa. Ele nem ao menos diz que eu não devo fazer isto comigo, que estou exagerando, que não mereço este tratamento... Não. Só diz que sou louca. Completamente louca. Desgraçado. Vivo com um iceberg - concluiu, observando-o dar-lhe as costas e deixar o quarto. A boca, que parecia independente do cérebro, ainda gritou:
— Vai buscar o chicote!
Disse isso e desabou. Chorou um choro sacolejado, choro de criança. Sentiu as lágrimas frescas sobre as bochechas e levou as mãos ao rosto para enxugá-las. O toque fê-la sobressaltar. A sensação era de que a pele estava em carne viva.
Sentiu medo. Estarei ficando louca ? A esta altura da vida, vou me tornar adepta da autoflagelação? Não, não seja ridícula. Sim, estava sendo ridícula. Sentiu vergonha. Nunca contarei isto a ninguém, decidiu. Fechou os olhos. Quando o marido se deitou ao seu lado, fingiu que estava dormindo. Nunca mais farei isto. De toda forma, não funciona. Nem pena o infeliz sentiu. Pouco importa. Pena não é amor.
Comentários
Perturbador, não há como ficar indiferente!