REVERTERE AD LOCUM TUUM (Final)
>> Albir José Inácio da Silva
[Continuação das partes 1 e 2]
Sem documentos, Augusto acordou três dias depois e informou o único telefone que sabia de cor, e a assistente social fez a ligação pra funerária, interrompendo a compra e venda que já estava assinada.
Sem documentos, Augusto acordou três dias depois e informou o único telefone que sabia de cor, e a assistente social fez a ligação pra funerária, interrompendo a compra e venda que já estava assinada.
A angústia do naufrágio e as
longas horas na enfermaria deram a Augusto o tempo para refletir sobre a vida,
a família e a pobre Quinca. Ela passou os últimos anos tentando convencê-lo da
loucura do seu empreendimento. A Bíblia era
o principal argumento:
— Deus disse a Adão, “tu és pó e
ao pó tornarás”. Ao pó e não ao palácio! E Jesus disse, “deixe que os mortos
enterrem seus mortos”. É pecado ficar se preocupando com o corpo que já morreu.
E é viva que eu preciso de conforto!
Augusto chegou ao Rio com a
cabeça enfaixada e cheia de remorsos. Era sua culpa. A pobre Quinca estava doente,
sedada e algemada numa maca, e ele nem sabia se ela iria se recuperar. Havia
ainda o prejuízo da funerária que chegava a milhares de reais. Mas era tempo de
agir, não de lamentar.
As Recaídas
Em poucos dias, Dona Quinca era
outra mulher. Paparicada por Augusto, recuperou rapidamente a saúde, a razão e
a fé. Não tinha dúvidas de que o marido era também outro homem. Ficou todo o
tempo ao lado dela. Chegava com flores todos os dias. Confessou-lhe pecados e desvios
de verba para as obras no cemitério.
Augusto só saía do hospital para cuidar
da fiança e outros embrulhos legais, porque Dona Quinca estava presa em
flagrante. Mas o delegado era compreensivo, foi ao hospital conversar com ela.
— Dona Quinca, a senhora não é
bandida, é uma mãe de família. Não pode ficar fazendo essas coisas. A senhora
agrediu mais de dez pessoas, quebrou a loja inteira, mordeu os médicos e chutou
os policiais. Não faça mais isso! Eu vou deixar a senhora sair, mas que isso
não se repita!
Não foi diferente com os médicos.
Reconheciam todos que ela era uma boa mulher, dedicada à família, dócil e educada.
Aquilo fora uma caso isolado. Até as admoestações do médico da alta foram
carinhosas.
— Dona Quinca, a senhora não
merece isso que a senhora fez consigo mesma. Cuide-se bem. Cuide da sua
família. Espero nunca mais vê-la por aqui, a não ser para me cumprimentar!
Ela distribuiu sorrisos e
beijinhos para a enfermagem e deixou todos emocionados ao sair amparada pelos
braços de Augusto. Quanta diferença daquela endemoninhada que chegou há alguns
dias!
Dona Quinca chega em casa paparicada
por Augusto e é acomodada na sala, entre almofadas e copos de refresco. Mas os
carinhos não param por aí. Quincas pega a bíblia, o que faz exultar o coração
da mulher, eram uma família e Augusto estava mesmo mudado.
— Todo aquele que escuta as minhas palavras
será como o homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha. Mateus,7:24 — lê Augusto, acrescentando, à guisa de comentário: — Vê como é importante edificar a morada do futuro?
Uma ruga de preocupação aparece
na testa de Dona Quinca, mas ela está feliz, abafa a preocupação e mantém o
sorriso.
Quando acaba a leitura, Augusto senta-se
ao lado da mulher, pega sua mão e aponta o trecho que acabou de ler:
— O que você acha de colocar este
versículo acima dos nossos nomes? — antes que ela responda, Augusto pega a placa
de bronze que trouxe da funerária.
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