ALL YOU NEED IS INTERPRETAÇÃO DE TEXTO
>> Analu Faria
A Lexicon é uma companhia que trabalha com dar nome a empresas e produtos. Não é um empreendimento de marketing exaaaatamente. Quero dizer, na verdade, é, mas não cuida da estratégia de marketing como um todo. A Lexicon é especializada em uma parte bem específica da identidade da empresa ou do produto: o nome. Foi ela quem deu o nome de “BlackBerry” ao aparelho que deveria se chamar “EasyMail”. Se o BlackBerry já não é uma unanimidade, imagina com esse lindo e funcional nome de “EasyMail”…
Vi uma entrevista na TV, feita com um dos executivos da empresa. Ele falava sobre a sonoridade do “b” e sobre como essa sonoridade poderia definir o que se pensa da marca. Também falou sobre o fato de ser uma palavra “curta e grossa” (tradução minha para as muitas palavras que ele usou, em inglês, para dizer que os fonemas de “blackberry” denotam algo que “vai direto ao ponto”) e de como essa ideia se encaixava bem no que o aparelho oferecia de diferente ao consumidor. Disse, ainda, que blackberry (“amora preta” em português) é uma frutinha bem gostosa, o que é ponto positivo. Imagine um eletrônico chamado “Jiló”.
Eu nem sabia que existiam empresas especializadas em “brand naming” (esse é o nome do ramo da Lexicon). Existem muitas. Lá fora e aqui. Essas empresas usam o conhecimento de linguistas, de gente que esquentou banco de faculdade por anos, que pesquisou, que fez mestrado, que varou noite estudando, que quebrou a cabeça com artigos científicos, que aguentou orientador que não orienta nada (ou que exige demais). Dar um bom nome a uma empresa não é tirar coelho da cartola.
Começa a crescer no Brasil uma área chamada linguística forense. Uma parte da linguística forense cuida de analisar evidências linguísticas a fim de detetar autoria, intenções e significados de um texto. Também lida com identificar se um texto é original ou foi plagiado. A página http://linguisticaforense.pt/ traz casos de pessoas que foram condenadas ou inocentadas por evidências linguísticas.
Usei dois exemplos fortes de como a linguagem pode mudar a vida de alguém. É lamentável que muitos brasileiros considerem inúteis os estudos da linguagem — qualquer linguagem, verbal ou não — e que entendam a comunicação apenas como “meio” para atingimento de algum fim. (Já disse um cara muito esperto, “o meio é a mensagem.”). Estudar linguagem e contexto é uma coisa séria, não para fazer prova, mas para fazer a vida. Recentemente, em uma roda de amigos, comentei que a pena de morte no Brasil só era possível em caso de guerra. Em todos os outros casos, não poderia ser aplicada e que essa regra — da não aplicação da pena capital — era cláusula pétrea, o que significava que a regra não poderia ser mudada, de acordo com nossa Constituição. Para que a pena de morte fosse aceita como legítima, seria preciso haver uma outra constituição, o que só ocorreria em caso de revolução ou golpe. Uma amiga me interrompeu. O diálogo que se seguiu foi meio surreal:
Amiga X: Pois é, eu acho que a Constituição precisaria, sim, ser revista.
Eu: Ok, mas essa regra, especificamente, não pode “cair” — não pode haver pena de morte no Brasil e a regra não pode ser tirada da Constituição. É uma regra jurídica, entende? Isso é que quer dizer uma cláusula pétrea — você não pode se livrar dela, nem por emenda à Constituição.
Amiga X: É, mas nisso aí eu acho que deveria haver uma revisão, quanto à pena de morte, sabe.
Eu: Ah, só com outra constituição. E isso só em caso de revolução ou golpe, né, que são os casos em que você teria, digamos assim, bem grosseiramente, uma mudança de poder, imposta ou não. São os casos em que se muda uma constituição, entende? Mesmo que o golpe não seja uma coisa legítima e...
Amiga X: Não, não precisa ter golpe, nem revolução. Eu acho que podia rever isso da pena de morte com esta Constituição mesmo.
Sem saber o que dizer, balancei a cabeça: “Entendi.” E saí da roda.
Lembrei, na hora, de uma frase de um conhecido: “Falta amor neste mundo, mas falta interpretação de texto também.”
Pior que isso são aqueles que não querem “discutir” sobre qualquer coisa relacionada à linguagem. “O importante são os atos, não as palavras”. Enquanto isso, linguistas e marqueteiros espertos vão dar nome a bons produtos e fazer rios de dinheiro. Marqueteiros e linguistas picaretas vão vender produtos ruins com linguagem boa e passar a perna em um monte de gente para quem "nome não vende produto". Políticos vão continuar nos engambelando com seus discursos “mais do mesmo” — mudam-se as palavras e muita gente não vê que não mudam as intenções. Peritos vão identificar se aquele texto que você adora não foi puramente um CTRL+C + CTRL+V do texto de outro alguém. Líderes mal preparados vão transformar vidas de bons profissionais num inferno, enquanto puderem encantar com frases de efeito ditas de um jeito original. Líderes tecnicamente bem preparados vão penar para colocar em prática suas ideias, por pura falta de comunicação.
Quem não se comunica, baby, se estrumbica.
Vi uma entrevista na TV, feita com um dos executivos da empresa. Ele falava sobre a sonoridade do “b” e sobre como essa sonoridade poderia definir o que se pensa da marca. Também falou sobre o fato de ser uma palavra “curta e grossa” (tradução minha para as muitas palavras que ele usou, em inglês, para dizer que os fonemas de “blackberry” denotam algo que “vai direto ao ponto”) e de como essa ideia se encaixava bem no que o aparelho oferecia de diferente ao consumidor. Disse, ainda, que blackberry (“amora preta” em português) é uma frutinha bem gostosa, o que é ponto positivo. Imagine um eletrônico chamado “Jiló”.
Eu nem sabia que existiam empresas especializadas em “brand naming” (esse é o nome do ramo da Lexicon). Existem muitas. Lá fora e aqui. Essas empresas usam o conhecimento de linguistas, de gente que esquentou banco de faculdade por anos, que pesquisou, que fez mestrado, que varou noite estudando, que quebrou a cabeça com artigos científicos, que aguentou orientador que não orienta nada (ou que exige demais). Dar um bom nome a uma empresa não é tirar coelho da cartola.
Começa a crescer no Brasil uma área chamada linguística forense. Uma parte da linguística forense cuida de analisar evidências linguísticas a fim de detetar autoria, intenções e significados de um texto. Também lida com identificar se um texto é original ou foi plagiado. A página http://linguisticaforense.pt/ traz casos de pessoas que foram condenadas ou inocentadas por evidências linguísticas.
Usei dois exemplos fortes de como a linguagem pode mudar a vida de alguém. É lamentável que muitos brasileiros considerem inúteis os estudos da linguagem — qualquer linguagem, verbal ou não — e que entendam a comunicação apenas como “meio” para atingimento de algum fim. (Já disse um cara muito esperto, “o meio é a mensagem.”). Estudar linguagem e contexto é uma coisa séria, não para fazer prova, mas para fazer a vida. Recentemente, em uma roda de amigos, comentei que a pena de morte no Brasil só era possível em caso de guerra. Em todos os outros casos, não poderia ser aplicada e que essa regra — da não aplicação da pena capital — era cláusula pétrea, o que significava que a regra não poderia ser mudada, de acordo com nossa Constituição. Para que a pena de morte fosse aceita como legítima, seria preciso haver uma outra constituição, o que só ocorreria em caso de revolução ou golpe. Uma amiga me interrompeu. O diálogo que se seguiu foi meio surreal:
Amiga X: Pois é, eu acho que a Constituição precisaria, sim, ser revista.
Eu: Ok, mas essa regra, especificamente, não pode “cair” — não pode haver pena de morte no Brasil e a regra não pode ser tirada da Constituição. É uma regra jurídica, entende? Isso é que quer dizer uma cláusula pétrea — você não pode se livrar dela, nem por emenda à Constituição.
Amiga X: É, mas nisso aí eu acho que deveria haver uma revisão, quanto à pena de morte, sabe.
Eu: Ah, só com outra constituição. E isso só em caso de revolução ou golpe, né, que são os casos em que você teria, digamos assim, bem grosseiramente, uma mudança de poder, imposta ou não. São os casos em que se muda uma constituição, entende? Mesmo que o golpe não seja uma coisa legítima e...
Amiga X: Não, não precisa ter golpe, nem revolução. Eu acho que podia rever isso da pena de morte com esta Constituição mesmo.
Sem saber o que dizer, balancei a cabeça: “Entendi.” E saí da roda.
Lembrei, na hora, de uma frase de um conhecido: “Falta amor neste mundo, mas falta interpretação de texto também.”
Pior que isso são aqueles que não querem “discutir” sobre qualquer coisa relacionada à linguagem. “O importante são os atos, não as palavras”. Enquanto isso, linguistas e marqueteiros espertos vão dar nome a bons produtos e fazer rios de dinheiro. Marqueteiros e linguistas picaretas vão vender produtos ruins com linguagem boa e passar a perna em um monte de gente para quem "nome não vende produto". Políticos vão continuar nos engambelando com seus discursos “mais do mesmo” — mudam-se as palavras e muita gente não vê que não mudam as intenções. Peritos vão identificar se aquele texto que você adora não foi puramente um CTRL+C + CTRL+V do texto de outro alguém. Líderes mal preparados vão transformar vidas de bons profissionais num inferno, enquanto puderem encantar com frases de efeito ditas de um jeito original. Líderes tecnicamente bem preparados vão penar para colocar em prática suas ideias, por pura falta de comunicação.
Quem não se comunica, baby, se estrumbica.
Comentários