DE COMO ABRIR UM COFRE >> Whisner Fraga
Final de semana e o patrão liga para meu pai, aflito:
— Mamede, você se lembra do segredo do cofre aqui de casa?
— Uai, não lembro não, sô. Aliás, nem sei se você já me contou algum dia a combinação. Mas não tem problema, já abri vários cofres sem saber a numeração. Se o senhor quiser, dou um pulo aí e tento.
O patrão quis. E claro que meu pai nunca destrancara nenhum cofre, com ou sem segredo.
Verdade também que era sábado início de noite e meu pai já havia bebido umas duas cervejas, de modo que estava mais animado e corajoso que de costume. E meu pai mais animado e corajoso que de costume era um perigo.
Disparou para o corredor, pegou a lambreta e rumou para a casa do patrão.
Foi bem recebido. Muito bem, aliás.
— Aceita um uisquinho, pra relaxar, Mamede?
Não, meu pai não era disso. Mas se tivesse uma Brahma, aceitava.
Tinha.
Encarou o cofre: nunca tinha visto mais gordo. Puxou pela lembrança. Verdade, o patrão tinha lhe passado uns números anotados no verso de uma nota promissória. Se não se enganasse, três números estavam no papo. Só faltava o quarto. Não falou nada sobre a memória praticamente fotográfica. Valorizava expectativas e ilusões. Não podia falhar, o chefe considerava muito esses heroísmos.
Fisgou o copo: precisava calibrar os dedos. Verteu um demorado trago. Esfregou as mãos uma na outra: precisava agir. Fez uma cara de profunda meditação, como se buscasse lá do fundo de todo o seu conhecimento sobre cofres uma solução para o problema. Queria mesmo, entretanto, era a saída que Mortimer (Lee Van Cleef) apresentara no filme “Por uns dólares a mais”, seu preferido.
Girou o disco até chegar ao primeiro valor que estava anotado no verso da promissória. Depois até o segundo e uma vez mais até o terceiro. Sabia que, atrás de si, o patrão e a esposa assistiam à operação. Gostava de público. Sentia-se mais confiante. Era como se lhe transmitissem uma energia que nutria o seu desembaraço.
E o quarto número? Então evocou, desconfiado, aquelas constantes perguntas. Uma, duas vezes por semana, o patrão lhe questionava:
— Mamede, que dia mesmo é seu aniversário?
Ora, ele estava careca de saber. Afinal já fazia década ou mais, que não deixava de ir aos churrascos natalícios do empregado.
Estava claro, descobrira o número faltante. Arrisca: 24. O cofre cede. Ouvem-se palmas, tapinhas nas costas, elogios, suspiros. Tudo perfeito, mas o herói precisa ir embora. Já na saída, o patrão lhe dá um abraço forte, entusiasmado. É muito bom receber um abraço, mas preferia mesmo era uma pequena recompensa, uns trocados para mais duas ou três cervejas, já que as de casa haviam acabado e estava sem nenhum centavo para o resto do fim de semana.
— Mamede, você se lembra do segredo do cofre aqui de casa?
— Uai, não lembro não, sô. Aliás, nem sei se você já me contou algum dia a combinação. Mas não tem problema, já abri vários cofres sem saber a numeração. Se o senhor quiser, dou um pulo aí e tento.
O patrão quis. E claro que meu pai nunca destrancara nenhum cofre, com ou sem segredo.
Verdade também que era sábado início de noite e meu pai já havia bebido umas duas cervejas, de modo que estava mais animado e corajoso que de costume. E meu pai mais animado e corajoso que de costume era um perigo.
Disparou para o corredor, pegou a lambreta e rumou para a casa do patrão.
Foi bem recebido. Muito bem, aliás.
— Aceita um uisquinho, pra relaxar, Mamede?
Não, meu pai não era disso. Mas se tivesse uma Brahma, aceitava.
Tinha.
Encarou o cofre: nunca tinha visto mais gordo. Puxou pela lembrança. Verdade, o patrão tinha lhe passado uns números anotados no verso de uma nota promissória. Se não se enganasse, três números estavam no papo. Só faltava o quarto. Não falou nada sobre a memória praticamente fotográfica. Valorizava expectativas e ilusões. Não podia falhar, o chefe considerava muito esses heroísmos.
Fisgou o copo: precisava calibrar os dedos. Verteu um demorado trago. Esfregou as mãos uma na outra: precisava agir. Fez uma cara de profunda meditação, como se buscasse lá do fundo de todo o seu conhecimento sobre cofres uma solução para o problema. Queria mesmo, entretanto, era a saída que Mortimer (Lee Van Cleef) apresentara no filme “Por uns dólares a mais”, seu preferido.
Girou o disco até chegar ao primeiro valor que estava anotado no verso da promissória. Depois até o segundo e uma vez mais até o terceiro. Sabia que, atrás de si, o patrão e a esposa assistiam à operação. Gostava de público. Sentia-se mais confiante. Era como se lhe transmitissem uma energia que nutria o seu desembaraço.
E o quarto número? Então evocou, desconfiado, aquelas constantes perguntas. Uma, duas vezes por semana, o patrão lhe questionava:
— Mamede, que dia mesmo é seu aniversário?
Ora, ele estava careca de saber. Afinal já fazia década ou mais, que não deixava de ir aos churrascos natalícios do empregado.
Estava claro, descobrira o número faltante. Arrisca: 24. O cofre cede. Ouvem-se palmas, tapinhas nas costas, elogios, suspiros. Tudo perfeito, mas o herói precisa ir embora. Já na saída, o patrão lhe dá um abraço forte, entusiasmado. É muito bom receber um abraço, mas preferia mesmo era uma pequena recompensa, uns trocados para mais duas ou três cervejas, já que as de casa haviam acabado e estava sem nenhum centavo para o resto do fim de semana.
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