CONTRA A CALVÍCIE >> Sergio Geia
“Um novo produto contra a calvície chega
ao mercado brasileiro, amigo.” A notícia, que leio em voz alta pro Julio,
garante que o negócio é bom, daqueles da China; que possui ingredientes fantásticos,
cientificamente comprovados, capazes de dar cabo da coisa.
“E não é só isso não!”, continuo, agora
com a voz numa tonalidade mais elevada: “Além de segurar os fugidios numa
espécie de carandiru capilar, ele recupera, revertendo o processo de queda,
fortalecendo, revitalizando, nutrindo, fabricando um chumação igual ao tempo em
que você tocava na noite lá em Ubatuba, Caraguá, São Sebastião, e ostentava uma
floresta amazônica na cabeça. Sem efeitos colaterais, isso é bom anotar, e sem
gastar tanto dinheiro, olha que maravilha. Seus fios serão novos rebentos,
aptos a uma vida decente em sociedade. Veja aqui, veja... a foto do cara que
tomou.”
Julio me olha com incredulidade, mas
enxergo nele uma fina ironia nascendo de seus grandes olhos, como quem já tá preparando
o troco. “Sem efeitos colaterais” — eu continuo meu monólogo — “porque você
sabe, né?, a Finasterida, outro produto do mercado, dizem que produz a perda da
capacidade sexual, provocando até impotência, o que pra mim não deixa de ser
uma grande papagaiada. Já travei altas discussões sobre a questão e posso
afirmar com conhecimento de causa: decididamente, isso não ocorre com a maioria
absoluta dos usuários. Sem gastar tanto porque você não vai precisar fazer um consignado
na Caixa pra bancar um procedimento de recomposição capilar.”
“Mas os caras são foda! Eles enfiam uma
faca no fígado e torcem. Associam aparência com autoestima, e o cabelão como
principal componente da aparência. Assim, não é difícil concluir num silogismo
escroto, que se você tem cabelo, tem boa aparência; logo, sua autoestima tá lá
em cima, batendo os píncaros do Himalaia. Se não tem...”
Só pra você saber, amigo leitor (aliás,
nessas alturas você já sabe, né?): o Julio é careca. E muito bem-resolvido,
diga-se. Por isso, é claro, me permiti a piada. E diferentemente de mim, que
senti o coração sorrindo de esperança, ao mesmo tempo em que meus amiguinhos de
cima começaram a revelar um quê de preocupação com os novos tempos, sabendo que
as escapulidas estão com os dias contados, o Julio não sentiu nadinha de nada.
Aliás, se sentiu, foi apenas desprezo, um desprezo atroz pela notícia fora de
hora.
Mas minha empolgação se arrefeceu ao
tomar conta da notícia contextualizada. Na verdade, não era notícia, matéria
jornalística eu quero dizer, cirúrgica, precisa; era simplesmente um merchan de
jornal, um produto que você não encontra nas farmácias, mas que tem que ligar;
e se for nos próximos cinco minutos, ganha 60% de desconto. Como acreditar num
merchan que diz que o desconto vai durar só cinco minutos, se todo dia que você
clica nele, o desconto tá lá; que cinco minutos são esses, meu Deus, que duram
uma eternidade!?
“Pensando bem, o tal do Vin Diesel tá aí arrancado
suspiro da mulherada e eles falam de baixa autoestima?”. Julio me corrige
dizendo que seria mais adequado eu falar do Bruce Willis, não do Vin Diesel:
“Você entende, né, Sergio? É contemporâneo seu, he, he, he”.
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