BRICOLAGEM, PALAVRÃO E HOMEOPATIA
>> Analu Faria
Eu gosto de umas palavras sem nem saber o significado delas. Tipo “bricolagem”. Quando ouvi essa palavra pela primeira vez, fiquei repetindo para mim mesma “bricolagem, bricolagem, bricolagem...”. Em seguida, criei diálogos imaginários com ela, tentando adivinhar o significado. Uma forma de artesanato? “Quero aprender bricolagem, minha tia é artesã e disse que bricolar [é claro que eu ia derivar um verbo disso] é superdesestressante.” Uma manobra política? “Os deputados usaram de bricolagem na aprovação do projeto de lei.” Ou ainda uma brincadeira irritante de criança? “Parem de bricolagem, vocês dois, ou eu chamo a diretora!”
Outras palavras eu trago comigo como remédio. Muitas são palavrões. Toda vez que estou acometida de alguma tristeza não requisitada, ou de raiva, ou, pior, de preguiça, valho-me de um deles. Bosta é meu favorito. Faz uma explosão na boca quando a gente fala, assim: b*OOO*sta! (Eu geralmente acrescento um “ô” antes: “Ôôôô b*OOO*sta!”). É terapêutico!
Está claro, pelo menos para mim, que um dos aspectos determinantes para que eu goste de uma palavra é o seu som, o aspecto fonético (que me corrijam os linguistas, se eu estiver usando o termo equivocado aqui): como eu disse, eu não sei o significado de muitas das palavras de que gosto e quanto aos palavrões, bem, eu sei que há algo de subversivo em proferir um palavrão, mas nem todo palavrão me parece interessante, nem todos soam “terapêuticos”. E definitivamente não posso dizer que gosto da palavra bosta pelo que ela significa. O negócio é que é bom falar — e ouvir — certas palavras e me afeiçoo a elas por conta disso.
Mas há uma outra “música” na comunicação verbal, que não tem nada a ver com o som das palavras ou com a cadência das frases. É uma música que se ouve na comunicação escrita e na falada. Eu não sei descrevê-la, mas aqui talvez minha percepção tenha relação com o significado. Por exemplo: Cecília Meireles, para mim, escrevia poemas que soam como "música instrumental para se ouvir tomando o chá das cinco". Acho até que não sou fã dela porque músicas de chá das cinco não são a minha praia. Aliás, nem chás das cinco. Clarice Lispector é Pink Floyd, o que me deixa incomodada — leio, ouço, me toca, mas transborda — e eu já transbordo demais em atividades cotidianas. Segundo minha homeopata, essa, aliás, é a causa da minha asma. Então, como tenho asma, leio Clarice com moderação. Hilda Hilst é Nirvana e Pearl Jam, ela e eles, alguns dos meus favoritos. Guimarães Rosa é jazz (hard bop, provavelmente): é a simplicidade inteligente que acelera meu coração e destransborda meus excessos. Adélia Prado é a MPB de Caetano e Maria Bethânia — é impossível não gostar de Adélia Prado, se você for um brasileiro que gosta das coisas daqui e tiver um coração.
Machado de Assis e Shakespeare, eu não sei classificar. Não me vem à cabeça uma banda ou um estilo musical que se encaixe no que eles escreveram. Mesmo assim, a “música” deles me agrada muito. E minha homeopata disse que pode fazer bem para a minha gastrite. "Com exceção de 'A Mão e a Luva'", ela disse, "'A Mão e a Luva' pode ter um efeito contrário. Mas se quiser reler, toma um chazinho de Espinheira Santa junto."
Em tempo: segundo a Wikipedia, bricolagem é um termo “usado nas atividades em que você mesmo realiza para seu próprio uso ou consumo, evitando deste modo, o emprego de um serviço profissional."
Outras palavras eu trago comigo como remédio. Muitas são palavrões. Toda vez que estou acometida de alguma tristeza não requisitada, ou de raiva, ou, pior, de preguiça, valho-me de um deles. Bosta é meu favorito. Faz uma explosão na boca quando a gente fala, assim: b*OOO*sta! (Eu geralmente acrescento um “ô” antes: “Ôôôô b*OOO*sta!”). É terapêutico!
Está claro, pelo menos para mim, que um dos aspectos determinantes para que eu goste de uma palavra é o seu som, o aspecto fonético (que me corrijam os linguistas, se eu estiver usando o termo equivocado aqui): como eu disse, eu não sei o significado de muitas das palavras de que gosto e quanto aos palavrões, bem, eu sei que há algo de subversivo em proferir um palavrão, mas nem todo palavrão me parece interessante, nem todos soam “terapêuticos”. E definitivamente não posso dizer que gosto da palavra bosta pelo que ela significa. O negócio é que é bom falar — e ouvir — certas palavras e me afeiçoo a elas por conta disso.
Mas há uma outra “música” na comunicação verbal, que não tem nada a ver com o som das palavras ou com a cadência das frases. É uma música que se ouve na comunicação escrita e na falada. Eu não sei descrevê-la, mas aqui talvez minha percepção tenha relação com o significado. Por exemplo: Cecília Meireles, para mim, escrevia poemas que soam como "música instrumental para se ouvir tomando o chá das cinco". Acho até que não sou fã dela porque músicas de chá das cinco não são a minha praia. Aliás, nem chás das cinco. Clarice Lispector é Pink Floyd, o que me deixa incomodada — leio, ouço, me toca, mas transborda — e eu já transbordo demais em atividades cotidianas. Segundo minha homeopata, essa, aliás, é a causa da minha asma. Então, como tenho asma, leio Clarice com moderação. Hilda Hilst é Nirvana e Pearl Jam, ela e eles, alguns dos meus favoritos. Guimarães Rosa é jazz (hard bop, provavelmente): é a simplicidade inteligente que acelera meu coração e destransborda meus excessos. Adélia Prado é a MPB de Caetano e Maria Bethânia — é impossível não gostar de Adélia Prado, se você for um brasileiro que gosta das coisas daqui e tiver um coração.
Machado de Assis e Shakespeare, eu não sei classificar. Não me vem à cabeça uma banda ou um estilo musical que se encaixe no que eles escreveram. Mesmo assim, a “música” deles me agrada muito. E minha homeopata disse que pode fazer bem para a minha gastrite. "Com exceção de 'A Mão e a Luva'", ela disse, "'A Mão e a Luva' pode ter um efeito contrário. Mas se quiser reler, toma um chazinho de Espinheira Santa junto."
Em tempo: segundo a Wikipedia, bricolagem é um termo “usado nas atividades em que você mesmo realiza para seu próprio uso ou consumo, evitando deste modo, o emprego de um serviço profissional."
Comentários
Zoraya, ótima ideia! Vou pensar numa crônica só sobre Dra. Cleonice.