DIVERTIDAMENTE TOCANTE
O filme, de forma lúdica, ingênua e delicada nos convida a refletir sobre o modus operandi da nossa mesa de (des)controle das emoções, conforme a protagonista, Riley, experimenta os desafios e as confusões da adolescência.
As cenas vão se desenrolando e nos enredando em lembranças, afagos, memórias afetivas e pontos nevrálgicos do viver. Impossível não nos reportarmos às noites em claro em que ensaiamos tudo o que pode dar errado a cada amanhecer. Embora hilária, a cena dos soldados da ansiedade trabalhando, enlouquecidamente, na produção das preocupações e angústias noturnas, não deixa de nos confrontar com a inutilidade desse comportamento enquanto pretensa defesa diante da frustração. Fica óbvio aquilo que tentamos negar: ao imaginar todas as possibilidades de insucesso, para ter controle das variantes e evitar o desgaste das decepções, inerente à quebra de expectativas, sofremos uma vez mais. Afinal, se der certo aquilo por que ansiamos, teremos padecido, prematuramente, em vão; e se, como previsto, der errado, teremos padecido em dobro. Sim, porque, embora para efeito de angústia o imaginado e o vivido despertem o mesmo desconforto, o primeiro não evita ou prepara para a dor do segundo.
Essa reflexão por si só já valeria o ingresso, mas não para por aí. À medida que a história acontece, observamos ativamente o quanto a competição, a inveja, a exigência de validação social nos adoecem e nos afastam de quem originalmente somos. Quanto mais Riley se deslumbra com o ideal de sucesso e perfeição atribuído por ela à popular da escola, mais se afunda em cobranças, autodepreciações e ansiedade. Quem nunca?
Não bastasse isso, a película ainda apresenta um outro momento icônico (dentre outros, tão bons quanto), que para mim funcionou como um retrato e um alerta estridente para os tempos atuais: a personagem Alegria cria um dispositivo para tirar de circulação as lembranças desagradáveis da menina, na intenção de fazê-la emocionalmente forte (alguma mãe se identifica com esse esforço?), mas depois percebe que esse mecanismo não colabora com a formação e o desenvolvimento genuíno e saudável da protagonista. A tão desejada Alegria se dá conta do equívoco residente na crença de que somos feitos somente de boas lembranças e grandes feitos. Excelente oportunidade de nos perguntarmos, entre uma pipoca e outra, o que nos fez acreditar que a vida seria uma sucessão de conquistas alcançadas sem nenhum investimento, perrengue ou esforço e uma infindável felicidade.
Saí do cinema com a certeza de que a vida tem seus desapontamentos, mas não é preciso morrer por isso. A tristeza não é a melhor companhia, contudo, tem função importante no desenrolar da trama, a raiva merece ser escutada, a vergonha e o medo podem ser superados e o tédio… bem, esse está ali, mas não acrescenta em nada e nem diz ao que veio. A alegria, já sabemos, é o abraço quentinho da vida, e a ansiedade é a aquela colega chata que precisa de limites.
No mais, é viver divertidamente, torcendo para que, na mesa de controle das emoções femininas, exista menos medo e vergonha e um pouquinho mais de raiva e alegria.
Antes de terminar o papo, sem dar spoiler, aviso aos que forem assistir ao filme: não deixem de ver a última cena, no pós-crédito. É fundamental para pensarmos a inapropriação da culpa e da angústia que carregamos pelos fantasmas do passado.
Para quem já assistiu, sugiro guardar na memória a estratégia da alegria para neutralizar os soldados da ansiedade: eu sou uma pessoa boa!
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