DIVERTIDAMENTE TOCANTE


No último domingo, fui ao cinema assistir Divertidamente 2

O filme, de forma lúdica, ingênua e delicada nos convida a refletir sobre o modus operandi da nossa mesa de (des)controle das emoções, conforme a protagonista, Riley, experimenta os desafios e as confusões da adolescência.

As cenas vão se desenrolando e nos enredando em lembranças, afagos, memórias afetivas e pontos nevrálgicos do viver.  Impossível não nos reportarmos às noites em claro em que ensaiamos tudo o que pode dar errado a cada amanhecer. Embora hilária, a cena dos soldados da ansiedade trabalhando, enlouquecidamente, na produção das preocupações e angústias noturnas, não deixa de nos confrontar com a inutilidade desse comportamento enquanto pretensa defesa diante da frustração. Fica óbvio aquilo que tentamos negar: ao imaginar todas as possibilidades de insucesso, para ter controle das variantes e evitar o desgaste das decepções, inerente à quebra de expectativas, sofremos uma vez mais. Afinal, se der certo aquilo por que ansiamos, teremos padecido, prematuramente, em vão; e se, como previsto, der errado, teremos padecido em dobro. Sim, porque, embora para efeito de angústia o imaginado e o vivido despertem o mesmo desconforto, o primeiro não evita ou prepara para a dor do segundo. 

Essa reflexão por si só já valeria o ingresso, mas não para por aí. À medida que a história acontece, observamos ativamente o quanto a competição, a inveja, a exigência de validação social nos adoecem e nos afastam de quem originalmente somos. Quanto mais Riley se deslumbra com o ideal de sucesso e perfeição atribuído por ela à popular da escola, mais se afunda em cobranças, autodepreciações e ansiedade. Quem nunca? 

Não bastasse isso, a película ainda apresenta um outro momento icônico (dentre outros, tão bons quanto), que para mim funcionou como um retrato e um alerta estridente para os tempos atuais: a personagem Alegria cria um dispositivo para tirar de circulação as lembranças desagradáveis da menina, na intenção de fazê-la emocionalmente forte (alguma mãe se identifica com esse esforço?), mas depois percebe que esse mecanismo não colabora com a formação e o desenvolvimento genuíno e saudável da protagonista. A tão desejada Alegria se dá conta do equívoco residente na crença de que somos feitos somente de boas lembranças e grandes feitos. Excelente oportunidade de nos perguntarmos,  entre uma pipoca e outra, o que nos fez acreditar que a vida seria uma sucessão de conquistas alcançadas sem nenhum investimento, perrengue ou esforço e uma infindável felicidade. 

Saí do cinema com a certeza de que a vida tem seus desapontamentos, mas não é preciso morrer por isso. A tristeza não é a melhor companhia, contudo, tem função importante no desenrolar da trama, a raiva merece ser escutada, a vergonha e o medo podem ser superados e o tédio… bem, esse está ali, mas não acrescenta em nada e nem diz ao que veio. A alegria, já sabemos, é o abraço quentinho da vida, e a ansiedade é a aquela colega chata que precisa de limites. 

No mais, é viver divertidamente, torcendo para que, na mesa de controle das emoções femininas, exista menos medo e vergonha e um pouquinho mais de raiva e alegria. 

Antes de terminar o papo, sem dar spoiler, aviso aos que forem assistir ao filme: não deixem de ver a última cena, no pós-crédito. É fundamental para pensarmos a inapropriação da culpa e da angústia que carregamos pelos fantasmas do passado. 

Para quem já assistiu, sugiro guardar na memória a estratégia da alegria para neutralizar os soldados da ansiedade: eu sou uma pessoa boa! 


Comentários

Anônimo disse…
Só vou ler essa crônica depois de assistir o filme. Com medo de ter spoiler
Ana Raja disse…
Gosto de como você escreve sobre qualquer assunto. Segura das palavras escolhidas e sabe muito bem o tipo de emoção que irá causar. Amo ler tudo que vc cria! ❤️
Jander Minesso disse…
O primeiro filme tem uma das cenas mais bonitas da história recente do cinema. E pelas suas reflexões, parece que o segundo está tão bom quanto o original. Ansioso pra ir ao cinema.
Anônimo disse…
Que linda reflexão!!!!!
Nadia Coldebella disse…
Ainda não assisti, mas o farei em breve. o primeiro ainda ressoa, pois a fase da personagem era a exata fase das minhas filhas. Agora, o segundo, idem. Acho que vai ser uma experiência interessante. Depois comento de novo.
Anônimo disse…
Voltando para comentar que seu texto é bom e o filme também! Assim como o primeiro, os dois me fazem entender a importância do equilibrio e tudo que foi dito na crônica.
Recomendo!
Zoraya Cesar disse…
Vou assistir, amei o primeiro, e sua análise foi ótima! Até pq, mesmo adultos, de vez em qdo ainda caímos nas mesmas armadilhas que Riley caiu. Estamos em constante aprendizado e, de vez em qd, precisamos nos lembrar de antigas lições.
Albir disse…
Vou assistir pela sua crítica. Continue com essas análises de cinema.

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