CAIXAS DE PAPELÃO >> Ana Raja


Mudar de casa é um acontecimento desnorteador. Me encontro entre caixas vazias prontas para receberem o desague de parte da minha vida. Tenho pensado no significado da palavra “mudança” e no ato de mudar. Não se trata somente de separar o que vai levar e pronto. Envolve muito mais.

O que vai dentro das suas caixas? 

Em cada uma das minhas vai um sentimento. Criamos vínculos emocionais com o lugar em que moramos, onde experimentamos emoções acumuladas durante o tempo que pertencemos a ele.

Gosto de mudar de casa, mas me assusto com as reviravoltas pessoais provocadas por isso. Acho que é o tal do comodismo, né? E do medo de encarar essas mudanças. Mas o assunto aqui são as caixas que irão armazenar os meus bens adquiridos e acumulados nesses seis anos em que passei no mesmo apartamento.

Reconheço ser uma boa oportunidade para fazer uma limpeza geral, tentar levar só o necessário para a casa nova. Outros ares, mais zen, minimalista. Trabalho árduo esse! 

Mas o que está mesmo na minha cabeça, e vem me tirando o sono, são os sentimentos acomodados nas caixas de papelão. Roupas, livros, utensílios de cozinha, colchas, não são nada quando penso nas emoções que eu experimentei com cada um desses itens.

Levo nessas caixas o meu entusiasmo com a vida.  Também as minhas fraquezas, a esperança renovada nas páginas dos meus livros preferidos. Tem muito amor me acompanhando. Vou levar as madrugadas em que perdi o sono, os dias em que não conseguia colocar o pé no chão, por conta de uma fascite plantar, as manhãs sem atividade física, por pura preguiça. E os encontros com as amigas, no meio tarde, para tomar café e conversar sobre o colorido da vida que nem sempre é resplandecente. Os meus banhos fervendo, o cheiro da comida sendo preparada, o gosto da bebida molhando a boca enquanto observo a vista da minha janela. A minha fé, o meu Santo Expedito, o meu drama e a minha alegria. 

Talvez, antes de o caminhão da mudança estacionar para carregar as caixas, eu ainda coloque mais algumas coisas dentro delas.



Comentários

Jander Minesso disse…
O bom das lembranças é que elas já vêm embaladas na cabeça da gente, né? Não tem como esquecer, nem quando queremos. Belas reflexões aqui, Ana. E que seja uma bela mudança também.
Soraya Jordão disse…
Como diz Oswaldo Montenegro “ onde vá, onde quer que vá, leva o coração feliz.” Que o ar de mudar seja fresco e revigorante. Adorei!
Zoraya Cesar disse…
Mudanças, mesmo qd desejadas e planejadas, são não só cansativas como emocionalmente extenuantes. A gente encontra o que havia perdido, desperta para o que nem lembrava mais, faz o exercício do desapego dqulo q nao levaremos dessa vez. E vc escreveu lindamente sobre isso.
Nadia Coldebella disse…
Até para mudar precisamos mudar. E deixar. E ter gana de, apesar da dor, soltar. E enlutar. E continuar.
Esse seu texto me acertou como uma pedra: lindamente e no alvo.

Gde abç!
Albir disse…
Mesmo quando continuamos na mesma direção, a "mudança" dá uma sacudida no que estava acomodado. Mexe com a alma e nos enche de perguntas. Fazemos resumo de um pedaço da vida. Que segue, inexoravelmente.
Tatiana disse…
Sempre gostei de mudar. Apesar de que minha última mudança demorou a ser digerida. Enquanto lia, fiquei imaginando você naquele bloco e apartamento massa.

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