PEDRA QUENTE NO MEU PEITO >>> Nádia Coldebella
Farofa, tapioca, quentinha. Calorento, passear. Cafuné, apaixonar, xodó. Caprichar, gambiarra. Desbunde, malandro, desenrascanço.
Estas são algumas das palavras que só existem na língua portuguesa. Intraduzíveis. Na verdade, não encontram correspondência, apenas aproximação em outras línguas.
Tem mais uma. Saudade.
Alguém consegue definir isso?
Alguns dizem que vem do árabe “saudah”, outros acham que vem do latim “sólitas”, que significa solidão. Já disseram que que palavras como “saud”, “saudá” e “suaida” significam “sangue pisado” e “preto dentro do coração”.
Pode significar solidão, desamparo, recolhimento. Tristeza profunda pode ser causada por saudade.
Ou por saudades - Se é saudade ou saudades, nunca houve concordância a respeito, só sei que podemos ter mais de uma.
Mas saudade não é a falta. Quando a gente sente a falta, sofre a perda. Na saudade não. Ela é apego e desapego misturado.
Saudade é um sentimento de nostalgia que acontece quando falta alguma coisa, alguém, um lugar.
Ou quando a gente quer reviver coisas que já passaram.
Ou ter chance de viver o que nunca viveu.
Na saudade, existe a esperança, uma certeza embutida, uma fé que a gente não nota. Ela mistura nostalgia, a ausência, amor e desespero. Acompanha quem não tem companhia.
Nos tempos em que vivemos, saudade se multiplicou, se diversificou, se juntou com luto, com falta e com ausência. Se juntou com culpa e frustração, com medo e negação.
Se misturou com o desbunde caprichado do malandro, que dá um desenrascanço pra se livrar da culpa.
Se misturou com a vontade de comer a quentinha no trabalho no meio de todo mundo, de sentar no domingo com a família e brigar pra ver de quem é a farofa mais gostosa, de passear na feira e comer uma tapioca com mais meia multidão.
Se misturou com estar apaixonado por alguém que partiu, com a vontade de receber o cafuné do xodó que não está mais aqui.
Daí, ela deixou uma melancolia, um caroço na garganta, um olho molhado, um lugar vazio, um peito quebrado.
Deixou solidão, desamparo, recolhimento. Vazios escuros e profundos dentro de um coração.
Saudade é pedra quente no meu peito, disse um amigo meu de quem sinto saudade.
E enquanto ela está, vou fazendo gambiarras pra acreditar que o mundo voltou ao normal, tentando deixar as lembranças e o coração embaixo do travesseiro quando acordo de manhã.
Só pra não sentir o peito queimar.
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