ESSE MENINO! >> Albir José Inácio da Silva

 

— Onde você pensa que vai, João Leno? — perguntou a mãe sem querer saber coisa alguma, e menos ainda os pensamentos do filho, antes querendo dizer “não vai a lugar nenhum!”

 

— Na casa do meu colega — respondeu o menino, mas sem querer significar coisa alguma porque, apesar de parecer um colega determinado, podia ser qualquer colega ou colega nenhum; podia ser uma rua, uma esquina ou a favela mais próxima. Colegas, iria encontrar, mas não sabia quais nem pra quê.

 

— Se você sair de casa, eu vou contar pro seu pai! — insistiu a mãe, sabendo que não iria contar coisa alguma porque o pai lhe enche muito mais a paciência por causa do menino do que o menino com suas escapulidas. Sabendo que o menino iria de qualquer jeito, como todos os dias, mas cumprindo o dever de proibir coisas perigosas, como sabia serem perigosos os passeios dele. Ou não sabia, mas imaginava. Ou nem imaginava, mas era melhor prevenir porque não faltavam ameaças do pai caso acontecesse alguma coisa com o menino.

 

João Leno tinha pele de índio e um cabelo louro que contou com a aprovação da mãe, mas lhe custou uma surra do pai que não quer filho maricas de cabelo pintado. Esse filho desceu a Ladeira Saint Roman e em minutos estava na Avenida Atlântica.

 

Outro menino louro subia e pulava dos bancos de cimento em frente aos prédios de luxo. Leno começou a imitar o outro que lhe lançou um olhar indiferente. Alguém, incomodado com a socialização e mistura de classes, chamou o louro branco para o lado de dentro da grade.

Nesse momento, um carro subiu a calçada de pedras portuguesas e parou ao lado de João Leno. O carona saltou correndo.

 

— É este?

 

— Deve ser — disse o motorista — ele falou “um moleque louro que brinca em frente a este número.”

 

O garoto foi jogado no porta-malas e o carro saiu cantando pneus. O porteiro ligou pra polícia porque, afinal de contas, era um menino. Leno chegou a ouvir sirenes em perseguição, mas, com o trânsito do fim de tarde, foram se distanciando.

 

O menino chacoalhava no porta-malas, batendo cabeça, costas, braços e pernas. Depois de uma eternidade, o carro parou e uma lanterna iluminou seu rosto. O chefe ficou possesso.

 

— Onde é que vocês arranjaram esse ET? Isso tem cara de filho de industrial? Passa esse moleque e desova longe daqui.

 

O porta-malas foi fechado de novo, e outros dois sequestradores vieram de dentro do barraco.

 

— Chefe, não dá pra fazer isso não. O Sem-perna reconheceu o moleque. Ele é filho do Marimbondo, da cinquenta e quatro DP de Belford Roxo. Se passar o menor, eles vêm atrás de nós. Melhor devolver ele pro mesmo lugar.



E João Leno foi deixado na praia de Copacabana. Tinha ainda o peito acelerado e as pernas frouxas quando entrou em casa. A mãe se benzeu em agradecimento por ele ter chegado antes do pai.

 

— Mãe! Eu fui sequestrado!

 

— Garoto, vê se não me amola que eu tenho mais o que fazer.

 

Ele contou toda a história de um fôlego. Ela escutava sem ouvir quando viu o corte na testa, bem próximo do cabelo louro.

 

— Você brigou na rua outra vez, Leno?

 

— Não, mãe! Isso foi na mala do carro! Eu juro!

 

A conversa foi interrompida pela chegada do pai. A mãe, que não costumava fazer queixas porque acabava sobrando pra ela, não se conteve:

 

— Esse menino, além de todos os defeitos, agora está ficando mentiroso.

 

— A culpa é sua, que não dá educação pra ele. Sorte se ele não virar bandido.

 

João Leno suspirou. Até que o dia não acabou tão mal. E mentiroso não é a pior coisa de que já foi chamado. Deu um beijo na mãe, e saiu pelas vielas da comunidade para contar sua história a ouvidos mais crédulos.

                               

Observações:

                      1) A série “E AGORA?” retornará em breve com novos personagens.

                      2) Este texto faz parte do PROJETO CRÔNICAS DE UM ONTEM e foi publicado originalmente em 11 de fevereiro de 2013.

Comentários

Nadia Coldebella disse…
Esse é um conto muito interessante. A caracterização do J.L. é sensacional. Ri bstte aqui, pensando na quase triste sorte do menino herói.

Gostei bastante o jeito q vc expõe as contradições e paradoxos. Parece que vc havia feito naquela época uma quase-profecia sobre os pretensos homens de bem que logo nos dariam o ar da graça.

Aguardo ansiosa os próximos textos da série!
Zoraya Cesar disse…
Dom Albir, consistente e coerente desde sempre. aahaha, ri mto aqui tb!
sergio geia disse…
Gostei, Albir! E gostei do recurso de iniciar com diálogo, privilegiando também os diálogos no texto. Só não gostei deste pai e desta mãe.
Albir disse…
Obrigado, Nádia, Zoraya e Sérgio!

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