O AFOITAMENTO DO SUSPIRO >> Carla Dias
Reprime o suspiro. Sente como se engolisse comida ruim, aceitasse chantagem, tivesse de resumir a si em três palavras que nem sabe quais são. As paredes falam, as horas passam, tudo e todos se manifestam e ela assim, calada por precaução. Vai que deixe escapar suspiro que não sabe se comportar. Está ciente de que precisa tentar domá-lo, pois o dito adora um prolongamento de fazer os olhares dos outros se espantarem com atrevimento sonoro-emocional. No entanto, suspirar não faz parte da pauta da reunião. Só que o suspiro caminha por dentro, atiçando seus sentidos, mostrando-se incapaz de se retirar em silêncio, dar-se por vencido. O suspiro se atraca com elas, as palavras, e as muda de lugar, leva as tais para um passeio proibido em horário comercial, quando um suspiro pode criar instabilidade profissional. Quando vem sem avisar, bancando o amplificador de dor de coração partido, o fôlego se exibe, porque sabe que não é de frequentar esquecimento. Ela sente o suspiro represado se rebelando. Falta-lhe o fôlego, sobra-lhe descompasso na respiração. Agarra-se ao desconforto, insiste na prisão. É por gosto ou necessidade? E chegam as inconveniências patrocinadas pelas paixões efêmeras, viagens ao supermercado, as incansáveis discussões sobre rever resultados e justificar erros cometidos, todas acompanhadas por dose de café de horas atrás. Ainda é horário comercial, mas chegou o momento dos assuntos íntimos se sobreporem às planilhas e conferência de agenda do dia seguinte, em uma batalha que tem como meta atingir a meta do dia. Chamam isso de conversa fiada, ela acha que é apenas falta de terapia. E o suspiro em ponto de necessidade urgente de se alojar em acontecimento. Dentro dela, o suspiro luta bravamente para ser reconhecido, para assumir o seu lugar de anfitrião do desejo, e então, ganhar som. Não quer ser o último, antever a morte. Ela sabe que o suspiro quer se espalhar pelo recinto, oferecer-se à vida, indiferente se isso é ou não adequado para a ocasião.
Comentários
Nem digo nada. Ou melhor, digo: como vc conseguiu, a partir de um suspiro reprimido criar uma perfeiçao dessas?
Nem sei dizer o qtas vezes reprimi os suspiros e agora, de alguma maneira, graças a esse texto, posso entendê-los, saber q têm vida própria.
Estou encantada
Silvana, tenho comigo que suspiros inadequados são libertários e temerários. Acham sempre um jeito de se jogar no escandalizar do outro.
Zoraya, acho que sou bem talentosa em aprisionar suspiros. Ultimamente, minha rebeldia me guia em direção à liberdade que alguns eles merecem.