OUTRO NATAL DEVERAS ESTRANHO >> Zoraya Cesar
O homem, extenuado pela viagem longa, colocou a mala no chão. Olhou, apreciando, os últimos raios do ocaso que entravam pelos vitrais, multicolorindo o salão. Um enorme gato preto, que passeava entre os bancos, aproximou-se do homem, ronronando inquisitivamente.
— Eu sei, amiguinho, ainda não tem nada pronto. Mas não se preocupe. Em datas extraordinárias coisas extraordinárias acontecem.
Dito isso, o homem sumiu pela porta dos fundos. Precisava descansar. Seu rosto, meigo e antigo, era enfeitado por rugas que sumiam, misteriosamente, quando ele sorria. O que acontecia amiúde, justificando, assim, que não se percebesse, à primeira vista, o quão entrado em anos estava o Velho Padre.
A Igreja ficou vazia até, exatamente, às seis da tarde, quando entrou um casal negro, a aparência mais que humilde, tão ou mais idosos que o Velho Padre, vestidos da cabeça aos pés de imaculado branco. Nas mãos dela, havia um enorme rosário feito de lágrima-de-nossa-senhora; nas dele, um chapéu, colocado, respeitosamente, à altura do coração. Ajoelharam-se, persignaram-se, cumprimentaram o gato e caminharam em direção ao nicho de Sant’Ana e São Joaquim, onde rezaram de mãos dadas. Ela tirou da bolsa uma garrafa contendo puro óleo de alecrim, difícil de conseguir, caro para comprar.
Procuraram o Presépio.
Que Presépio?
Olharam-se, desconsolados e aflitos. Tinham vindo de tão longe, com dificuldade, somente para untar o Presépio com o óleo que eles, com grande sacrifício, conseguiram. Vieram atendendo a um chamado para... nada?
— Vamos, minha Velha. Tentar encontrar o que comer — disse o homem, decepcionado, exausto.
Foi nesse momento que ouviram batidas de atabaque, vindas da porta atrás do altar. Eles se entreolharam, emocionados, e sorriram. O Divino não falhava. E se encaminharam para lá.
O casal sumiu por aquela porta ao mesmo tempo em que outro personagem entrava pela da frente. O gato o olhou, pálpebras semicerradas. Aquilo estava ficando interessante.
Mulato, alto e empertigado, o recém-chegado vestia-se com o apuro de um dândi. A alvura reluzente do terno engomado contrastava elegantemente com a camisa preta e a gravata, tão vermelha-rutilante quanto o cravo que trazia na lapela. Também ele carregava o chapéu na mão. Ajoelhou-se frente ao altar de São Jorge e lá rezou, compenetradamente.
Levantou-se e, com seu andar manemolente, procurou o Presépio. Baixou a cabeça, desapontado, ao encontrar a manjedoura vazia. Viera por ruelas escuras e becos perigosos, não tocara em cigarros ou bebidas, juntara cada centavo para comprar o incenso mais perfeito que pudera encontrar e... não tinha a quem entregá-lo? Seu coração encheu-se de dor. Virou-se para ir embora.
Nesse exato instante, ele ouve uma toada, vinda da porta atrás do altar. Impossível!, pensou, a ‘minha’ música tocada num lugar como esse? Não havia dúvida, porém: alguém cantava, perguntando ‘onde é que Seu Zé mora? onde é sua morada?”... O malandro chorou. E entrou.
E, da mesma forma que antes, enquanto um saía por uma porta, outro entrava pela da frente. Ou outra, pensa o gato, divertindo-se imensamente com a coisa toda.
A mulher que entrava na Igreja era bonita, de longos cabelos negros cobertos por um véu, desenfeitada de qualquer outro adereço. Trazia nas mãos uma caixa folheada a ouro para presentear. Os pais que a receberiam, no entanto, eram pobres e simples; estariam mais interessados no conteúdo da caixa: chupeta, mamadeira, babador e diversos itens para bebês. Ela se ajoelhou, ergueu as mãos para o alto e agradeceu a todos os Santos por estar ali. Sorriu para o gato, que ronronou, gostando dela, conhecendo-a de outras vidas.
A cena se repetiu: ela parou, atônita e angustiada, ao encontrar nada além da manjedoura. Viera de terras distantes, passara por frio e medo, por desterros e perseguições, tudo por devoção e amor à Maria e ao Menino. Os olhos marejados, preparou-se para partir.
O gato esperou, sabendo o que aconteceria em seguida: uma voz feminina, perfeita como a música das esferas, suave como repicar de pequenos sinos celestes, chamou, “Sara, venha, minha amiga, estamos aqui”. A mulher, rindo e chorando ao mesmo tempo, correu para trás do altar.
A porta da frente fechou-se, silenciosamente. Não havia mais raios de sol passando pelos vitrais e, lá fora, a noite se estabelecera, escura e desenluarada. A Igreja, não obstante, estava toda iluminada por velas — acesas não se sabe por quem. Talvez pela mesma mão que fechara a porta. Vocês viram quem foi? Eu não vi.
Realmente, pensou o gato — que nunca vira Reis Magos tão inusitados —, o Velho Padre tem razão. O Natal é mesmo uma data extraordinária.
Feliz e Verdadeiro Natal a todos! Que o Aniversariante esteja presente em cada momento de suas vidas.
Muito obrigada pela leitura e pela generosidade dos comentários. Que estejamos juntos em 2016, com Alegria e Paz.
Amém.
Muito obrigada pela leitura e pela generosidade dos comentários. Que estejamos juntos em 2016, com Alegria e Paz.
Amém.
Comentários
Que em 2016 eu possa continuar a ter o prazer da leitura de suas obras!
Beijos!
Parabéns!
Gratidão, feliz Ano Novo, feliz tudo!
beijos.