ESCRITORA DE EPITÁFIO >> Carla Dias
Gosta de manter uma jarra de água por perto. Nem é por causa da sede, porque não lhe custa se levantar e tomá-la na cozinha, fresca, direto do filtro de barro. Apenas faz de tudo para não se distrair durante o feitio. Não há tempo para aprofundamentos, ainda que o conteúdo se envergue ao emocional aos frangalhos. As reflexões não são suas, mas navegam por um “e se” necessário, porque não sabe fazê-lo sem conhecer o cenário do ocorrido, que é sempre hostil. Às vezes, pensa em si como uma presença, uma observadora acostumada a pinçar esperança na esterilidade da finitude; pessoa a cada dia mais curiosa para saber o que dirão sobre ela nas nuances da sua ausência; quem o dirá (?). No entanto, são dela os sentimentos que dialogam com as linhas, abraçam-se aos caracteres, flertam com os espaços. Para ela, é como redigir uma carta de adeus no primeiro encontro; amputar um membro segundos depois de reconhecer sua serventia. Não são suas buscas, mas acolhem seus enfrentamentos e vazios. Também a fazem chorar aos escândalos por estranhos solitários de solidão afiada feito a sua. Por isso não pode se distrair com quefazeres. É preciso gravar uma história inteira em poucas linhas, servidas em tempo na cadência do que é finito. Senta-se à frente da velha máquina de escrever, fecha os olhos, cantarola a mesma música de sempre, como se entoasse hino localizador de paraíso. A garganta seca, necessitada de banho. Sempre mantém a jarra de água por perto, mas nunca bebe um gole enquanto constrói o último adeus aos desconhecidos. Entendeu - sem no entendimento gastar mais tempo do que leva para elaborar despedida - que não deve se distrair com suas próprias sedes.
Imagem © Hugo Simberg | Kuoleman puutarha (Jardim da Morte)
Comentários
Zoraya, meus profissionais agradecem muito pelo apreço que você tem por eles.