E AGORA? - terceira parte >> Albir José Inácio da Silva

 

(Continuação de 07/03/2022)

 

O ESTUDANTE

 

- Foi um tiro no pé – disseram os críticos, incapazes de compreender aquele momento, aquela onda . Mas parecia tão óbvio, tão libertador!

 

Eu não estava satisfeito com aquela vida, apesar das mordomias. Escola particular, roupas de marca e dinheiro pro rolé, mas havia também cobranças e até humilhações.

 

De repente o país foi sacudido por um tornado de ideias simples – os detratores dizem “simplistas” - que consagravam nossas certezas antes tão atacadas pelos sabichões, professores e colegas,  que viviam de citações, nomes de livros e autores.

 

Era a redenção.  Agora sabíamos tudo, bastava consultar algum site amigo dos novos mestres, gurus e filósofos da astrologia. Não seríamos mais oprimidos por toneladas de páginas que precisávamos ler. As verdades chegavam rápido pelo zap, e tínhamos as respostas em caixa alta para esfregar na cara dos esquerdopatas.

 

Um novo tempo. Eu poderia mostrar para os velhos que não era mais um moleque mimado, que participava de um projeto maior de limpeza do mundo da ameaça comunista, que afastaria  os pedófilos, o marxismo cultural e os artistas que ganhavam bilhões com a Lei Rouanet.

 

Não tinha preço expurgar das escolas os professores que diziam que meus trabalhos eram rasos, que faltava leitura e compreensão. A ordem era filmar e denunciar os discursos comunistas em sala de aula.

 

Estávamos fazendo o nosso próprio movimento estudantil e provando para os pais que eles combateram o lado errado quando se insurgiram contra o golpe – como eles gostam de chamar  a gloriosa revolução de 64.

 

O clima ficou insuportável em casa. Eu não aceitava mais a ditadura do politicamente correto, e eles me acusavam de neofascista, homofóbico, racista e misógino.  Não preciso mais deles. Tenho meus projetos, tenho amigos. É um novo momento, muitos dos nossos foram eleitos, outros nomeados assessores. Os homens de bem estão assumindo o lugar que lhes cabe na vida pública.

 

Lutar contra “tudo isso que isso tá aí” me pareceu tão revolucionário! Não era contra isso ou aquilo, era contra tudo.  Digno de um estudante lacrador como eu.

 

Mas as críticas não paravam, são assim as mudanças, e o país seguia em frente. As escolas melhoravam sem discussões estéreis sobre direitos humanos e essa baboseira progressista.

 

Diziam que o primeiro Ministro da Educação não falava português. Talvez não falasse muito, mas podia entender de educação em outra língua - gente chata!

 

O segundo não escrevia em português, é verdade, mas isso não o impedia de combater a doutrinação em salas de aula, o kit gay e as plantações de maconha nos câmpus das universidades federais.

 

O terceiro não esquentou a cadeira, enrolado que estava com diplomas conferidos talvez por entidades espirituais – muito em alta neste governo - como aconteceu com a outra ministra, que era mestra segundo o apóstolo Paulo.

 

Mas a coisa degringolou com o último. Ele começou orientando sobre a importância do espancamento infantil para a educação e acabou trocando verba do ministério por barras de ouro.

 

A situação desmoronou não apenas na Educação! Rachadinhas, cheques, depósitos e amigos milicianos; vacinas inexistentes, remédios que envenenam, ameaças à democracia e às instituições; proteção de amigos, parentes, apaniguados e condenados. Escândalos internacionais, manchetes: patriotas presos, tornozelados, foragidos, desmonetizados e humilhados.

 

Eu fui demitido. Não há mais lugar para os homens de bem! Essa noite dormi na rua.

 

Talvez eu não esteja totalmente certo. Talvez tenha falado bobagens, que circularão para sempre na internet - cheguei a defender golpe de estado e tortura. Mas todo mundo erra!

 

Talvez eu possa voltar mais humilde, “já não sou digno de ser chamado seu filho”, e recomeçar.  Eles ainda são meus pais!

 

(Continua em  18/04/2022)

Comentários

Nadia Coldebella disse…
"As verdades chegavam rápido pelo zap"... "respostas em caixa alta"... Ah, que maravilha!!!
Acho que vc precisa guardar muito bem essa crônica, Albir, poi, por espelhar estes tempos desordenados, em breve será requisitada para compôr os livros de história!
Forte abraço 👽
sergio geia disse…
Boa, Albir! A ilusão ingênua tão bem contada por você e que vejo em tantos amigos safos me dá ânsia de vômito. Tamojunto!
Zoraya Cesar disse…
ai ai ai, Dom Albir! Vc reclama de mim e da Countess, mas o mestre das torturas aqui é vc! Doooida pra ler a continuação! Vc é mestre nas crônicas de análise de momentos. Tem humor, cutucadas finas, ironia, inteligência... enfim, Dom Albir!
Albir disse…
Obrigado, Nádia, Sérgio e Zoraya!

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