COLEÇÃO >> Sergio Geia
Eu terminava de comer um pedaço de bolo quando apareceram;
arrumaram tudo muito rapidamente, e, vencido o alvoroço da chegada, lá estavam eles
prontos para gravar. Era uma matéria jornalística para um canal de televisão; o
assunto, um tema fundamental para o progresso da humanidade: moedas. Queriam
entrevistar a mocinha da padaria, experiente profissional no manejo de moedas.
A jornalista, que reconheci dos jornais da hora do almoço, dizia que as moedas
tinham sumido do mercado; onde estariam as nossas moedas?, ela perguntava.
Pois respondo à senhora jornalista que não sei,
não tenho essa informação. Talvez estejam em porquinhas escondidas em
cristaleiras, como naquele filme do Suassuna; guardam-se moedas por longo tempo,
e, quando resolvem fazer uso da fortuna, elas valem menos que um vintém; ou estejam
em sacolas de supermercado que, depois de cheias, serão trocadas no comércio;
ou talvez andem fabricando moedas de menos; não sei. O que sei é que
infelizmente não tenho moedas aqui; mas, se as tivesse, talvez andasse a
procurar moedas raras, aquelas que valem mais do que afirmam, e vendesse a um
colecionador.
Disseram-me na rua outro dia que pagam fortunas
por moedas “raras”. Sem acreditar em tamanho desvario, caçoei de meu
interlocutor: “Ora bolas, mas quem, quem seria o espertalhão que pagaria cinco
mil por uma moeda de um? Ou quem se atreveria a colocar a mão no bolso e pagar três
mil por uma moedinha de trinta centavos?” “Colecionador, caro Geia; isso é
coisa de colecionador”.
De fato, o amigo tinha razão; andam pagando por
aí mais do que valem essas frias moedinhas. No entanto, nada que se compare a certas
notas; descobri que por uma de cinquenta reais, por exemplo, assinada pelo
senhor Pérsio Arida, andam pagando alguns doidos a bagatela de três mil reais;
notas de cinco ou dez reais, as chamadas notas de reposição, chegam a valer
dois mil reais; mas nada que se compare aos quatro mil reais que se pagam por
uma simples notinha de cinquenta que tenha se esquecido de Deus; isso porque,
segundo dizem, em 1994, um lote de notas saiu sem a famosa expressão “Deus seja
louvado”. O fato é que são consideradas raras, e se o senhor tiver aí um
exemplar, poderá se dar bem.
Esses colecionadores são bem doidos; fazem
coleções das coisas mais esdrúxulas que se pode conceber em troca de um
sentimento que nessa vida ainda não conheci; que sentimento é esse capaz de
fazer um homem em seu mais perfeito juízo mental trocar a infame quantia de
quatro mil reais por uma ordinária notinha de cinquenta?
Meu sistema límbico ainda não me proporcionou
conhecer tamanho sentimento, que deve ser uma maravilha; uma pena. Não seria
uma passageira alegria, uma afeição desenvolvida por coisas estranhas, ou um
encantamento proporcionado por papéis, uma sinergia inexplicável, ou ainda uma
dolorosa angústia metafísica ou uma volúpia estética. Acredito que deva ser
algo muito maior que tudo isso, exponencial, que transcende qualquer comezinho
sentimento que nessa pobre vida experimentamos.
Já vi coleções de selos, de quadrinhos, de
revistas, de vinis e até de santinhos de missa de sétimo dia. Dizem que no
mundo há colecionadores de fiapos de umbigo, sereias (adoraria conhecer; não a
coleção inteira, mas apenas uma já estaria bom), vestidos, molhos picantes,
barras de sabonete, saquinhos de condimentos e até bonecas infláveis.
Não tenho aqui nenhum desses objetos ou coisa
parecida. Tenho sim corujas que muito me alegram; e uma tartaruga. Se sou
colecionador? Não, amigo; não sou, na acepção usual do termo, muito embora viva
colecionando por aí algumas emoções, muitas saudades, e um pouco de alegria.
Ilustração: www.flickr.com.br
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