OS AMANTES >> Carla Dias >>


Os amantes são de dialogar com a intimidade dos desejos, alcançando o sentimento com frenesi e descomedimento. É que desejo entrelaçado ao amor não manda recado, quando o espírito terminou o ensaio e aguarda a performance do corpo:

direto ao palco, por gentileza.

Revolucionar o sentimento ao esmiuçá-lo. Saber dele os cantos e as incertezas, embrenhar-se na sua opulência, em busca da sua finalidade. Que sentimento é bruta flor, necessita do fino trato do reconhecimento para manter água na boca de um pelo outro.

Democratizar os espaços: movimentos corteses aliciados por abraços ambiciosos, opositores da energia domesticada, com o fim de manter a volúpia comedida. Não adianta ordenar comportamento comedido ao que é visceral, se espalha pela gente.  Nunca se submete, a ponto de ficar lá, no canto, incapaz de induzir o comportado a cometer o deslumbre e acabar na fila dos enlouquecidos por paixões diversas, à espera por abraços.

Permitir que a língua oficial transite pela terra do silêncio, ocupada que anda em reconhecimento de território. Que o território corresponda a contento.

Patrocinar longas trocas de olhares. Dizem por aí que há magia nesse feito. É um tal de deleites e vontades rodopiando ao som da respiração. E que a profundidade dessa troca pode até conceder o direito à leitura ampla da alma do outro. Também dizem que aí mora o perigo. No entanto, o que seria de nós se não nos permitíssemos correr perigo, vez em quando?

Familiarizar-se com a tez na qual a sua se acomoda, até que se torne impossível imaginar-se que não assim. Até que a tez do outro se acomode na sua, originando a conexão que antevê a próxima, ainda mais profunda.

Tolerar a ausência sem se esquivar do que interessa: pausas são fundamentais. O que seria da poesia se dispensássemos a saudade? O que seria de nós mesmos se nos torássemos incapazes de reconhecer, na distância, a possibilidade de refrescarmos o olhar em relação ao outro?

Entregar-se à melancolia, quando ela exigir atenção. E que, ainda que ela faça sua oferenda por meio de tristezas, haja espaço para a memória afetiva. Que as lembranças mantenham o espírito ciente de que nem tudo é dolência e solidão.

Amar sem restrições, mas com todo o respeito que amor defende. Permitir-se endoidecimentos que promovam a felicidade e a mantenham por perto para dias menos inspiradores.

Imagem: Les Amants au ciel rouge © Marc Chagall

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