UM DIA EM SÃO PAULO >> Whisner Fraga
Uma voz intimidadora que irradia dos alto-falantes adverte os ouvintes para um dia frio. No painel, as letras indicam uma estação que não significa nada: Antena 1 ou Alpha ou Band. As frases que nos chegam sem caras. E é bom que não tenham rosto. Porque eu não gostaria de me encontrar com uma voz que possua um corpo que siga todas as rotinas dos humanos. Porque eu deixaria de acreditar que aquele seria um dia frio. Eu deixaria de acreditar que seria obrigado a vestir uma blusa para encarar a rua. Mesmo assim, eu ligo o ar condicionado. E abaixo o volume.
Porque estou tentando me lembrar de uma história que ouvi no cabeleireiro. Sobre duas pessoas no trabalho em um dia frio de São Paulo. Sei que elas se sentavam lado a lado. As mesas praticamente coladas uma na outra. De repente, uma delas percebe que uma lufada glacial lhe castiga a nuca. Olha para trás e o condicionador de ar ajustado a vinte e poucos graus parece provocar a realidade. Não se contém. Levanta-se calmamente, vai até o aparelho e desvia o fluxo para o outro lado.
O colega, evidentemente, chia:
— No dos outros é refresco, heim?
Segue-se uma acalorada discussão sobre o ajuste do equipamento, sem nenhum resultado significativo. Até que têm a ideia de desligar a máquina. Não viam lógica em resfriar uma brisa que naturalmente lhes chegaria agradável.
Basta um dos dois girar o botão até o OFF para que a secretária, lá do fundo, chie.
— Vocês estão querendo me cozinhar, né?
O chefe não veria com bom-humor qualquer mudança no layout da sala, de forma que arrastar as mesas para a outra extremidade era uma ação temível. Alguém grita que abram a janela. Separam as folhas e uma golfada de vento, impiedoso e poluído, invade o cômodo. Todos desaprovam.
Logo percebe se tratar de um problema sem solução. Devia ter captado antes e se pune por isso. Então retorna ao mecanismo e o ajeita meticulosamente como há minutos, antes do início da contenda. Senta-se e um sopro lhe açoita a nuca. Essa vida é só engolição de sapos, pensa enquanto se levanta e segue até seu vizinho, com os punhos mal contidos de fúria e vontade de, pelo menos naquele dia, rever essa certeza.
Porque estou tentando me lembrar de uma história que ouvi no cabeleireiro. Sobre duas pessoas no trabalho em um dia frio de São Paulo. Sei que elas se sentavam lado a lado. As mesas praticamente coladas uma na outra. De repente, uma delas percebe que uma lufada glacial lhe castiga a nuca. Olha para trás e o condicionador de ar ajustado a vinte e poucos graus parece provocar a realidade. Não se contém. Levanta-se calmamente, vai até o aparelho e desvia o fluxo para o outro lado.
O colega, evidentemente, chia:
— No dos outros é refresco, heim?
Segue-se uma acalorada discussão sobre o ajuste do equipamento, sem nenhum resultado significativo. Até que têm a ideia de desligar a máquina. Não viam lógica em resfriar uma brisa que naturalmente lhes chegaria agradável.
Basta um dos dois girar o botão até o OFF para que a secretária, lá do fundo, chie.
— Vocês estão querendo me cozinhar, né?
O chefe não veria com bom-humor qualquer mudança no layout da sala, de forma que arrastar as mesas para a outra extremidade era uma ação temível. Alguém grita que abram a janela. Separam as folhas e uma golfada de vento, impiedoso e poluído, invade o cômodo. Todos desaprovam.
Logo percebe se tratar de um problema sem solução. Devia ter captado antes e se pune por isso. Então retorna ao mecanismo e o ajeita meticulosamente como há minutos, antes do início da contenda. Senta-se e um sopro lhe açoita a nuca. Essa vida é só engolição de sapos, pensa enquanto se levanta e segue até seu vizinho, com os punhos mal contidos de fúria e vontade de, pelo menos naquele dia, rever essa certeza.
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