ALGUNS MILÍMETROS >> André Ferrer
Você conhece os Beatles.
Acha os caras incríveis. Depois, descobre George Martin.
Esse tipo de coisa
sempre me fascinou. A maneira como as pessoas se manifestam, boas, más,
geniais, medíocres, nunca se esgota em si mesma. Todo relógio esconde um
mecanismo perfeitamente explicável no interior da carcaça. Seja qual for a
maravilha do comportamento humano e da técnica, malgrado a dissimulação e o
orgulho do artífice, pode ser explicada, analisada, sintetizada e aprendida
desde que alguém se disponha a fazê-lo.
Entretanto, abrir o
relógio e desvendar o seu mecanismo é, muitas vezes, visto com estranheza pela
sociedade. Qualquer santo, mártir ou gênio, afinal, merece todo o respeito e
reverência.
Não! Nada disso. Todo
Niemeyer tem atrás de si um Lúcio Costa.
Crânio desenhado por Da Vinci |
O espírito
revolucionário da maior obra de Stendhal (1783-1842), O Vermelho e o Negro, é
exatamente esse. Julien Sorel, o protagonista, ousa abrir a carcaça da elite a
fim de elucidá-la. Claro, para depois empregar o conhecimento em benefício
próprio. Sorel galga os degraus da sociedade francesa pós-napoleônica com o elã
de um soldado raso (Julien, na verdade, flertava com a carreira militar e a
religiosa, duas formas de ascensão social) rumo ao trono de um império. O
cânone, evidentemente, já vinculou Sorel a tudo quanto é exemplo de arrivista.
O self-made man da cultura norte-americana, é claro, já foi comparado ao
personagem em um sem-número de trabalhos acadêmicos. Aliás, um verdadeiro prato
cheio nessa história de violação de relógios e aprendizado é a classe média
ianque na sua incansável busca do Sonho Americano.
Jobs foi genial, a
Apple simplesmente não seria a Apple sem o cara. Ou, pelo menos, é o que você
pensa até estudar um pouco mais e conhecer Steve Wozniak.
Isaac Newton (1642-1727)
mudou o mundo com as suas três leis. Entretanto, transmitiu a importância da honestidade
e da transparência intelectual. A célebre frase que, hoje em dia, fronteia a
página inicial do Google Scholar, If I have seen further it is by standing on
the shoulders of Giants (Se vi mais longe foi por estar de pé sobre ombros de
gigantes), está numa carta de Newton para o também cientista Robert Hook
(1635-1703), datada de 5 de fevereiro de 1676, e foi inspirada numa metáfora
criada por outro intelectual, Bernard de Chartres (data de nascimento desconhecida-1124). Em
latim: “nanos Gigantum humeris insidentes”.
Pense bem. O motivo de
as coisas e as pessoas serem como são, boas, ruins, extraordinárias ou
sofríveis, pode estar além do facilmente notável. Na verdade, alguns milímetros
após o ponto ao qual você consegue chegar todos os dias.
Comentários