TRATO FEITO - PARTE I >> Zoraya Cesar
Sem família ou amigos na cidade, Heloísa não tinha com quem dividir aquele sentimento indefinível de que algo estava errado. Tentou conversar, mas o marido negou com tanta veemência que ela até acreditaria, não fossem os pequenos sinais. Antes tão apaixonado e carinhoso, ele era agora um relapso distraído e um tanto rude, sempre criticando tudo, nunca satisfeito com nada. Sexo? Só o formal, sem preliminares ou pós-liminares — termo usado por Heloísa, não por mim; respeitemos, pois.
Ele tem uma amante, concluiu Heloísa, desesperada, mas acertadamente. E agora ficamos, nós e ela, a matutar o motivo de tal desfeita. Sofria, tanto mais por causa do amor que ainda sentia, e não conseguia atinar quem seria a causa de sua desdita. Não precisamos, porém, fazer o leitor sofrer junto com Heloísa, e vamos logo chegar à descoberta do mistério.
Jorge, o vizinho do 6º andar, encontrou-a no mercado, olhou-a bem nos olhos e cantou a bola de maneira rápida e objetiva:
— O calhorda do seu marido está tendo um caso com minha mulher. Vou matar os dois — disse, com os olhos injetados de ódio e sangue.
Heloísa quase desmaiou. Como? Amante da vizinha? Morte? Tragédia. Suas pernas falsearam e se Jorge não a tivesse segurado, teria ido ao chão.
Ele ofereceu uma cadeira, pediu água ao gerente e desculpas para ela. Descobrira a traição havia pouco tempo e estava meio desatinado. Entre lágrimas e goles de água gelada, Heloísa pediu-lhe que contasse tudo. Ele contou, mas ela custou a acreditar.
Seu marido apaixonara-se por uma falsa loura, que usava roupas três números abaixo de seu manequim, vermelhas unhas compridas, decotes mais profundos que os das Fossas Marianas e saltos de 15 cm que fariam Luís XV morrer de inveja. Michelly era seu nome e seu marido era um gentleman.
Paremos tudo e tomemos fôlego, as coisas estão indo muito rápido. Como e quando Heloísa descobriu que Jorge “era um gentleman”? Bem antes do que poderíamos imaginar, de tanto conversarem e trocarem mágoas, confidências e se consolarem um ao outro, acabou que eles concluíram que estavam muito mal casados. E decidiram dar o troco, ficando juntos, eles também.
Mas não se apresse, leitor, em tirar conclusões porque ainda vem chumbo grosso por aí.
O condomínio quase veio abaixo com o escândalo, com a novidade, com o evento que mais parecia saído de um enredo da novela do horário nobre. Apenas imagine a situação: jovens recém-casados, ricos, felizes e arrulhantes; um casal nem tão jovem, cujas brigas eram ouvidas em todo o andar, presenciadas nos elevadores, na portaria, em qualquer lugar — não foram poucos os vizinhos que testemunharam as farpas e agressões trocadas entre eles; o jovem nubente se apaixona e começa a ter um caso com a vizinha que vive às turras públicas com o próprio cônjuge; os traídos começam a se encontrar para entender o affair e acabam por se entender entre si, resolvem se unir e morar juntos. Haja fôlego.
As velhinhas deixaram as novelas e o tricô, as menos velhinhas largaram a academia, o pilates e o celular, ocupando o tempo em voejar de um apartamento a outro. Aquele assunto era mais interessante que tudo. Que romântico, diziam algumas; que pouca vergonha, diziam outras; babado fortíssimo, diziam as mais novas. E a bem da verdade — que seja dita — os homens também conversavam sobre o assunto nas rodas de pôquer, nas peladas, nas saunas. E nada mais revelo porque o que homens dizem perante esse tipo de situação é geralmente impublicável.
Mas vocês devem estar se perguntando... "Então, ficamos assim? A história acaba desse jeito?" Claro que não, a equação é complexa, e essas variáveis — seres humanos — são por demais inconstantes.
E a prova cabal de afirmação tão impudente é que, se Heloísa estava feliz com o novo marido, carinhoso, atencioso — um tanto vagabundo, é verdade, pois aos 40 anos ainda não tinha emprego fixo... mas quem se importa, dizia a apaixonada Heloísa, eu tenho dinheiro de sobra pra nós dois —, o mesmo não se podia dizer do ex-marido. Não que ele não estivesse satisfeito com Michelly, oh! satisfeito ele estava, e muito. Michelly cuidava muito bem para que todas suas fantasias sexuais fossem realizadas, e ainda se fazia de mulher perfeita, carinhosa, comida sempre fresca e posta na mesa... tudo bem que gastava muito e não trabalhava, mas, pensava ele, uma mulher bonita e fogosa como ela tinha mais era que gastar muito para manter aquela gostosura toda.
(Tem gente que pede a Deus que o mate e ao Diabo que o carregue, dizia minha Avó).
Então, se assim era, qual o problema? O problema era justamente esse. A loura gastava muito e o dinheiro de Heloísa estava fazendo falta.
Foi nessa época que Michelly começou a ficar um pouco menos amorosa e menos afeita a satisfazer os caprichos do novo amante, e a insinuar, como Iago aos ouvidos de Othelo, que talvez a doce Heloísa já o viesse traindo há muito tempo com Jorge, e que tudo não passara de armação para ele sair de casa.
E o ex-marido de Heloísa começou a acreditar na história, vendo os sinais que sempre estiveram ali, sem que ele desconfiasse, crescendo nele um sentimento de frustração e vingança...
Continua no dia 9 de maio, a partir das 10 horas.
Comentários
Agora, quem está patrocinando deve ter em mente que é um sério candidato a continuar corno, e se comportar civilizadamente, afinal chifre é como dente, "só dói quando nasce", hahaha...
Só dia 9? Não dá pra adiantar um pouco?
Repito a pergunta da Aretusa - o Felipe Espada vai aparecer?
A conclusão é que o problema não são as louras, mas as falsas louras!
Cecilia