ALGODÃO DOCE >> André Ferrer
Sábado, 12 de abril de
2014, aproximadamente 14:30 horas, terminal rodoviário de Assis, interior de
São Paulo.
─ Este produto tem um
segredo que ninguém revela. Egoísmo pra quê?! Eu mesmo já ensinei a técnica pra
muita gente que hoje em dia trabalha no ramo.
De longe, escutei a
cantilena pela enésima vez. Eu, aliás, e as três pessoas que, a uma curta
distância, cercavam o vendedor de algodão doce. Conforme entendi, alguém no
grupo queria saber como ele conseguia que a guloseima permanecesse íntegra
desde cedo até aquele horário.
O homem ameaçava contar
o segredo ao grupo. Ele tinha chegado bem perto, sempre se justificando com
aquela história de ser íntegro e generoso, mas arremetia no último instante. Pela
sua idade, entre 45 e 50 anos, logo vi que não tinha saído ileso à cafajestagem atual. E se alguém naquele grupo virasse um concorrente!
Era-lhe difícil abrir o jogo naquela tarde.
Houve um tempo em que a
gratidão e o respeito das pessoas tornavam essa escolha bem simples. Meu bisavô
materno, por exemplo, foi pioneiro da serralheria em Bandeirantes ─ município norte-paranaense
de 32.182 habitantes (Censo IBGE/2010), justamente onde eu nasci. Com meu avô
Antônio Ferrer Palomares e tios-avôs, ele ensinou a arte dos rufos e grades numa
época em que a madeira era substituída por ferro e latão. Inúmeros jovens
aprendizes passaram pelas oficinas dos espanhóis entre os anos de 1960 e 1970.
Panificadora, restaurante,
bar, sorveteria e mercearia constituíram a vida profissional do meu avô
paterno. José Domiciano, que hoje empresta o nome a uma das ruas de
Bandeirantes era um bom mineiro. Quietinho, ele guardava os seus segredos, mas
também era generoso e ensinou muita gente que trabalhou com ele em Minas e no
Paraná. Meu pai, então, nem se fala! O Sr. Paulo empregou e formou vários profissionais
da reparação automotiva e do comércio de autopeças.
De volta à rodoviária
de Assis, o homem ainda hesitava no momento em que o meu ônibus encostou. Ele
não conseguia contar o segredo. Não conseguia negar. E os seus avanços e recuos
beiravam a comicidade. Principalmente quando enfiava coisas quase
esotéricas na sua explicação: amor à profissão, mão boa, alto astral, enfim, clima,
temperatura, umidade relativa do ar. Naquela alma generosa, porém distorcida
pelo mau-caratismo dos novos tempos, travava-se uma luta inglória. Ele não queria
ser traído nem passar por egoísta.
Já embarcado, espiando
através da janela do ônibus, eu constatei que ele ainda não queria essas duas
coisas.
Algumas linhas acima,
devo ter exagerado. Inevitável quando escrevemos sobre o nosso clã. Desculpe,
leitor, mas foi necessário. Tais apelos à história familiar nada têm de gratuito
nesta crônica. Foi a única maneira que encontrei para expressar a minha empatia
pelo indeciso vendedor de algodão doce. Dividido entre a obrigação de ser
generoso (isso faz parte da minha formação) e a necessidade de ser cauteloso (litros
e litros de água quente têm escaldado a minha pele de gato perdido), compreendi
a profundidade escondida no comportamento contraditório daquele homem.
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